3 de mai. de 2016


LEMBRANÇAS DE COLLAGE

 Uma tesoura e umas revistas velhas para brincarmos era tudo o que queríamos para nos entreter. Mediante recortes, destacávamos os personagens suspensos no tempo. Nossas inábeis mãos aos recortá-los, ao pegá-los, ao movê-los de um lado a outro, faziam com que as figuras se tornassem vivas, seres animados pelo alento do recorte. Naqueles dias chuvosos, desafirmávamos constantemente nossas personalidades, na medida em que íamos ao mesmo tempo recortando e recordando nossos desejos. Escolhíamos os personagens com quem mais nos identificávamos, e nunca faltavam as brigas e escaramuças por eles. Mimávamo-os com nosso gesto, nos projetávamos, projetávamos nossa família, nossos amigos e inimigos em cada uma daquelas patéticas e aplastadas figuras. Deixávamos que o desejo atuasse livremente. Vivíamos tudo aquilo de que carecíamos, o que queríamos ser e ter. Habitando as figuras, as encarnávamos em seu sentido original. Ignorava-se o valor das revistas. Cada figura reduzia-se a uma projeção. Cada figura era um corpo que andava contente ao encontro do outro. As fazíamos habitáveis.
fernando fuão

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