11 de dez. de 2009

Entrevista a Floriano Martins,
uma conversa sobre collage e poesia

Fernando Freita Fuão,
Carla Schneider
e Mariane Fabris


Como cuidas das figuras que recortas?
Não recorto figuras para um arquivo, tanto quanto não faço anotações para poemas.
Tenho a dificuldade em mim das coisas se guardarem para depois, dado o desprendimento
de minha natureza, talvez. O tempo da collage, cada trabalho em si, possui a extensão do
que a peça julga necessário para de concluir. Creio que se dá uma espécie de convulsão
interior, até que tudo se dissipe. O que faço, isto sim, são anotações de memória; vão se
tecendo insinuações, pequenos traços, sombras etc. Em parte, recorto figuras de
memória;em parte, me entrego ao vertiginoso jogo do acaso.
Creio que as figuras que não forem localizadas naquele momento em que me sento para
definir a collage, digamos, para montá-la, não estavam, por uma outra razão, prontas para
aquela peça. Como as imagens de um poema – ainda que traga comigo uma necessária idéia
geral daquilo que pretendo. Nada mais que isto.
A collage que fazes estabelece alguma relação com teu passado?
Tanto quanto com o meu futuro, ou seja, estabelece uma relação intrínseca com a
experiência, com a fluência da vida em mim. Tudo o que crio está em permanente diálogo
com o que sigo sendo. A collage nada mais é do que um dos tantos reflexos de minha
natureza.
Gostaria que falasses um pouco do teu entendimento de collage como um teatro de
imagens, um drama, uma representação.
Criamos desde o silêncio, desde o invisível. Toda a criação é diálogo, ou seja, busca
estabelecer um diálogo entre ser e mundo. Tudo o que julgamos fundar: a representação de
um desejo, um dramatizo, o drama coletivo de nossas experiências individuais. Não vejo
razão para a collage ser dissociada do poema, do teatro, do cinema. Lidamos com imagens,
em toda e qualquer circunstância da expressão artística. Creio que reside na fusão do
dramático com o lírico o toque mais fascinante, mais profundo, que se pode imprimir ao
objeto artístico. A dinâmica de uma collage deve ser também a dinâmica de uma
representação, de um teatro de imagens.
Por que dizes que a collage é reencarnação?
Segundo o Budismo, o que vivemos como homens é o estagio mais elevado do Carma.
Assim me parece que a ação que sofre a imagem no âmbito da collage, qualquer que seja o
estágio anterior, irá viver ali o seu grande momento de esplendor, de magnitude. Algo
como um ressurgimento, mas baseado na idéia de que esteve anteriormente em preparo para
a debulha de seu fulgor.
Uma frase tua me provocou um arrepio de prazer: “A tesoura age na medula da
memória”. Gostaria que me explicasse um pouco mais. Também não ficou claro a tua
posição em relação à memória, à foto como memória, já que fotos, para mim, não são
memórias, e sim registros, e a foto impressa não passa de uma imagem.
Decerto que a fotografia é um registro. Quando digo que a tesoura age na medula da
memória pretendo ir além dos registros. Tudo o que tocamos é memória. Somos memória
se fazendo a cada instantes. Portanto, tudo o que cortamos também é memória – trata-se de
uma perspectiva filosófica e não meramente uma técnica. A tesoura age exatamente neste
tecido vital que é o tempo. A fotografia, que certamente não passa de um recurso, eu a vejo
filosoficamente como um recurso da memória, já que selecionamos entre tantas aquelas que
nos significam algo em particular, algo que de alguma maneira já vivemos.
De que maneira tua poesia penetra na collage e vice-versa? Existe realmente uma
realmente uma relação direta, tal como se observa nos trabalhos de Sérgio Lima, nos quais
ele transcreve, quase que literalmente, suas collages para a poesia?
Não vejo razão para que se estabeleça, em meu caso, uma dissociação entre poema e
collage. Fazes referência ao Sérgio Lima e poderíamos acrescentar o chileno Ludwig
Zeller. Se acaso nós fizéssemos um filme ou uma escultura, decerto esta outra faceta de
nossa expressão artística comungaria com as demais. Isto se dá por uma afinidade de
natureza estética, de principio estético. Seja como for, discordo quando falas em transcrição
literal, o que acabaria por tornar dispensável uma das duas expressões: o poema ou a
collage. Creio que há um diálogo e uma complementação, em uma palavra: comunhão.
Reitero aqui a minha atração pelas bodas do dramático com o lírico. Através do poema,
tenho conseguido expressar melhor esta minha intenção. Sou um aprendiz ainda menor no
que diz respeito a collage. De qualquer forma, por esta vertente sigo e me enrosco e torno a
seguir.
O poema me parece também ter equacionado melhor os aspectos rítmicos. O fato é que o
pouco exercício da collage (incluindo o pensar menos nela – e isto por uma razão mesma
do envolvimento maior com o poema) faz com que pese mais um prato da balança, porém
isto não interfere no acima declarado. Imagine que canções não comporia Modigliani ou
que poemas não escreveria Keith Jarrett...
Pode a collage, depois de quase meio século, seguir despertando interesse no público,
tal como a pintura?
Vamos colocar assim: este século encontra, logo em seu inicio, no cinema e na collage a
eclosão de duas novas experiências artísticas. Contudo, a fotografia acabaria por tocar
melhor o mercado, certamente por seu vínculo imediato com a imprensa e com o mundo da
propaganda. Vale acrescentar que grande parte do cinema que se faz hoje é mero exercício
fotográfico, além de abusivamente retórico. Não nos esqueçamos que este século ostenta,
entre dezenas de outras e em inúmeros planos, esta contradição: é o século da guitarra
elétrica ao mesmo tempo da brutalidade da pasteurização do sentir.
Texto extraído do livro Alma em Chamas, de Floriano Martins, 1998. Ed. Letra e Música.
Paginas 288 a 292

Floriano Martins.
Collage. Jóias do abismo. 2009

10 de dez. de 2009



Floriano Martins. Collage. Joias do abismo. 2009

26 de set. de 2009





















Canyons. fernando fuão. 2007
A COLA II. Fernando Fuão

A cola possui muitas propriedades. Ela incrusta e fixa uma superfície sobre a outra, disfarça, une.
Oculta o que foi brutalmente separado pelo corte.
Enxerta.
Entretanto, o fundamento da collage não reside na cola. O colar, grudar não constitui a etapa mais significativa do procedimento. Inclusive podemos afirmar sem receio que: existe collage sem cola.
A célebre frase de Max Ernst define bem o pegajoso da questão: “Se as plumas fazem a plumagem, a cola não faz a collage.”
Certamente, não é a cola, o grude, a reunião de coisas coladas que faz a collage, e, sim, o encontro das figuras que desfilam, esperam e buscam abrigo nas demais.
Por exemplo, nas fotomontagens realizadas em laboratórios, não existe realmente o uso da cola. Há somente, a sobreimpressão de duas ou mais imagens que se justapõem e/ou se fundem uma na outra. O que fixa, realmente, são os fixadores. Uma química providencial, que engana os olhos com seus líquidos que ‘re-velam’ e sincronizam imagens.
Cola que não cola.
Precipita-se.
Em síntese, é no encontro que se elabora o grude.
A função da cola é mesmo conectar: unir.
Permitir a passagem de objetos, seres de um lugar para outro.
Transitar. Transportar.


















Bajo fondo. Mauricio Planel. collage 2008


























A invasão dos marcianos Athos Bulcão. 1952


















O Abismo. Athos Bulcão. 1953

12 de ago. de 2009
























Manuel da Costa. Fotografias (resíduos urbanos)

5 de ago. de 2009

DÉCOLLAGE. Para Alex Januario
Fernando fuão



Cuando el Collage se ejecuta sin tijera y pegamento: DECOLA.
El principio décollage, que tanto ha gobernado las obras de Wolf Vostell, aparentemente se presenta como el opuesto al Collage, pero en realidad no es más que una extensión del mismo. Él se sirve de la destrucción y autodestrucción, por irónica oposición al Collage que es constructivo
Decollage referese no solo a una acción de despegue de un avión, sino bien arrancar lo que está pegado con goma o engrudo. És un proceso general del positivo-negativo, construcción-destrucción.
Décollage: acción de arrancar, acción ejecutada por numerosas personas por razones distintas, despegamiento de carteles, reacción de oposición a la información que ellos contienen.
Décollage, forma de strip-tease, desnudo del cuerpo representación. Destruir lo destruido."
Como dijo Wolf Vostell, El principio décollage afecta a la extracción de cualquier fenómeno (visual, fotográfico, objetos, incluida la arquitectura, acciones, acontecimientos o comportamientos) de su contexto familiar, cotidiano, confrontándoles con otros ámbitos. Así que un décollage arquitectónico puede referirse tanto a los materiales empleados como al propio cuerpo del edificio.
La vida, evidentemente, ostenta este carácter ambivalente, constructivo, en parte, y, en parte, destructivo.
La vida es décollage. Con ella los cuerpos están sometidos al envejecimiento y a la destrucción permanente
JirI Kolar definió mejor: "En la vida nos envolvemos en una acumulación de papeles invisibles, donde cada cobertura nos hace olvidar la anterior. sí por ventura empezamos a removerlas (como en un trabajo de psicoanálisis, que quizás también podría ser aplicado a la arquitectura), nos quedaremos atónitos con todas las cosas que tenemos adheridas. Todas estas cosas llevamos dentro de nosotros"
Un construir destruyendo, una incesante propuesta de un aspecto 'negativo' capaz de suscitar en los demás una respuesta 'positiva', donde la piel juega un papel vital, pues es la parte del cuerpo que se expone a la mirada, a la tijera.
La piel, maquillada o desnuda, atrae el deseo, exactamente porque ella hace mucho tiempo fue cubierta y escondida." En las sociedades iletradas, la piel se convierte en superficie de escritura donde se graba definitivamente las inscripciones individuales, colectivas e íntimas. Escarificación. Tatuaje. El ojo, órgano de síntesis que funciona a distancia del objeto, acaricia la piel a su manera. Ver inhibe tocar (principio del voyeurismo, y de toda arquitectura narcisista). El recorte o el décollage rompen el narcisismo del cuerpo con su representación. Ver dispensa tocar. Así como hablar inhibe el ver y el tocar. En este sentido la piel es muy tocada por el ojo, sin duda, porque ella es aún poco hablada.
El cine, a la vez, ojo y Pielícula no cesa de exhibir la piel.. Por esto, la intuición del Cine, el embrión fotogénico palpita en esta operación llamada: découpage. Quitar la piel, despedazar, hacerla en varios fragmentos, en acción, en detrimento de una buena apariencia al ojo.
En el décollage el recorte ya no necesita de tijeras, sus contornos son aleatorios y anárquicos, evidencian el despegamiento, la descarnassem.
Décollage = collage móvil.
Collage móvil = décollage.
"El découpage, es como una operación de escindir una cosa para que pueda convertirse en otra." (Luis Bunuel)
El cartel que reposa verticalmente debería despertarse, y la poética debería devorar las paredes.
Si la 'cola' añade, el décollage, suprime. La combinación de estas dos operaciones favorece la creación de imágenes en un doble sentido, o sea, redoblan su significación. Es el caso de todas las obras que desean disimular al lector una parte de su significación, que muchas veces son empleadas para denunciar una hipocresía o para proteger su secreto.
Recuérdese la función de las viejas láminas de anatomía y de arquitectura, que requieren para la claridad de su demostración una transparencia que permitía releer en el mismo instante y sobre la misma hoja exterior e interior, de percibir bajo el enveloppe lo secreto de los órganos.
La apariencia de algo destructivo-constructivo, inacabado, indeterminado#, en perpetuo cambio se constituye en uno de los objetivos del décollage. Despegamiento es el proceso de quitar las capas y vestidos de la moda que ocultan y disimulan la función del cuerpo.

1 de ago. de 2009






















Alex Januario. Collage

25 de jun. de 2009

O cais do porto de Rio Grande. Collage 1995. fernando fuão

27 de mai. de 2009



Reliefs from Vila Chocolatão. Giovana Santini
NARRATIVA DA COLLAGE
Neide Costa Brandão

Há sempre um início para tudo. E uma finalidade, uma finitude.
Cada ato é começo e fim, intenção e tentação, insatisfação e desafio, movimento e repetição.
O encontro não é o início, mas um ato. Tão rico de possibilidades que, sozinho, é uma caixa de pandora. Aberta, o inusitado, o drama, a comédia, a leveza, o arrebatamento, enfim.... Tudo pede para acontecer e acontece, ainda que nós, fazedores, não tenhamos planejado nada.
Os encontros se fazem a nossa revelia : isso é o apaixonante.
A narrativa da collage é a narrativa da nossa vida.
Nossas collages narram um momento do nosso sentir, e como nos revelamos (ou nos ocultamos).
A collage poderia ser traduzida em narrativa literária, desde o momento do desejo da procura pelas imagens ou objetos, abrindo capítulos acerca das escolhas, dos refugos e das sobras, esses pés-de-página que explicam a seleção .E aí vamos nos entregando em imagens rasgadas, recortadas, amassadas,picadas,furadas,e o olho caça a união perfeita,o significado mais exato,a exaltação da dúvida,o esconder,o revelar.
Sempre queremos contar uma estória,e precisamos de ouvintes que ouçam e compreendam.É como nós, humanos, encontramos o outro. Através do relato.
Surpreende-me a collage quanto mais eu a experimento.Os caminhos são tantos e tão ricos de possibilidades quanto são os dias.

Outubro de 2007.

22 de mai. de 2009




Gladys Neves. Collage. De Boullée a Gaudi. 2003

18 de mai. de 2009

NELSON DE PAULA. collagens epidérmicas
Fernando Freitas Fuão

O trabalho de Nelson de Paula escapa um pouco às formas compositivas do resto do pessoal do Grupo Surrealista de são Paulo, que gira em torno de SergioLima.
O trabalho do Nelson não exclui a temática do corpo feminino como objeto de representação.
O trabalho de Nelson de Paula, se pode ver sobre várias óticas. Uma delas é a questão da própria representatividade sobre o suporte. Nelson acredita, como já expôs em seus escritos, que as superfícies são peles. As fotografias são peles e o grafismo que trabalha em cima das imagens se constitui quase como uma tatuagem. Ele explica mais ou menos assim, que a fotografia, ou o papel da revista para que se possa trabalhar tem que ser perfurado, arranhado, para que a tinta possa ser penetrada, mas não em excesso que venha a borrar. Tal qual um trabalho de tatuagem.
Nelson explora este grafismo como se fosse algo análogo também ao grafismo das veias da madeira, que gravam o registro de uma vivência. E algumas de suas collages, e o grafismo feito em cima das imagens utilizadas, que ele borra propositalmente, se parecem aos veios de madeira.
Ele sempre chama a atençaõ em seu trabalho para a questão da superficialidade do papel, da pele. E, para expressar essa idéia, procura apagar a leitura da tridimensionalidade, mediante a utilização de manchas escuras, manchas claras, ou simplesmente texturas feitas com canetas nanquim. Coloca as imagens num mesmo plano: achatamento.
Nelson coloca em seu trabalho, especialmente na exposição realizada em (...), a questão do original e da cópia. Quero dizer, por exemplo, que neste conjunto, os originais que criaram as reproduçõs em P&B foram ampliando no sentido de reprodução de uma nova obra, onde o original deixa de fazer sentido. Em outras palavras, “um original se transforma em mil originais”.
Muito do trabalho do Nelson se relaciona com a poesia, assim como o do Floriano e o do Sérgio. Ao se ler os escritos de Nelson compreende-se a relação direta com sua obra plástica. A linguagem utilizada por ele tem parentesco com a da história em quadrinhos e os aspectos da linguagem publicitária de algumas delas o tema do grafismo é obcessivo.


Banheiro do barraco. Vila chocolatão Porto Alegre. Collage. Giovana Santini

7 de mai. de 2009

ENCOSTAR SOLIDÕES

Ao reunir todas estas peças dispersas
Capturadas na linha do tempo,
Ordenadas e coladas
Convertemos num legado sem fronteiras, sem bordas,
constituíndo um modo de espacialização.
Tudo ficaria “congelado”,
Se não fosse esta seta que lanço com esta pesquisa
Apoiada em “mil platôs”,
Principalmente quando a visão está turva,
sempre “se aprochega” alguém
Para nos dar energia e
refazer a nossa tranqüilidade e autoconfiança.
Pois “que é a collage, senão encostar solidões?”

Gladys Neves

4 de mai. de 2009


O Porto de Rio Grande. collage. fernando fuão.1996
A COLA I
Fernando fuão

A cola é o elemento que realiza o trabalho da collage. A própria atividade de coller.
A palavra cola provém do grego kólla e do latim colla. No Dicionário de Aurélio Buarque de Holanda, é definida como substância ou preparado glutinoso para fazer aderir papel, madeira e outros materiais; goma: cola de peixe; cola de amido. Dela se associam palavras, tais como: colaborar, coligir (reunir o que está esparso, disperso). Assim como, o sufixo, ou elemento compositivo (cola, do latim colere), designa o que cultiva, o que habita (aqüícola, vinícola). Ela também comporta ainda o sentido de cauda, rastro, encalço. -
Mas, quando se passa da palavra ao verbo, da cola ao colar, suas contas se estendem.
Colar: unir, pegar, grudar, juntar, copiar clandestinamente em exames, ligar, ajustar, amoldar-se.
Colar: ornato ou insígnia para o pescoço.
Entretanto seria mais interessante remeter a origem da palavra collage não a cola, mas sim ao sentido de collegare, colligare que em latim significa colegas, aqueles que andam juntos, aquelas figuras que andam juntas.
De certa forma o significado da cola aproxima-se também ao conceito de símbolo. Simbolum: unir, congregar, conectar o acima-abaixo, ligar todas as coisas, A linguagem simbólica permite a circulação de um nível a outro, integrando todos estes níveis, mas sem fundi-los. Etimologicamente símbolo do grego (syn e tobalein) significa, também, ir juntos, aventurar-se juntos tal qual o sentido da collage.

27 de abr. de 2009



A CASA DA DINDA.
Galpão de reciclagem. Padre Cacique. Porto Alegre. Brazil

24 de abr. de 2009

SESC POMPÉIA de Lina Bo Bardi,
uma collage grotesca surreal
Fernando Freitas Fuão
Para os arquitetos mais ortodoxos ou convencionais, dizer que o Sesc Pompéia pode ser considerado uma arquitetura onde estão presentes alguns argumentos teóricos pode ser uma blasfêmia. Conseguir ver uma collage no Sesc Pompéia pode ser uma coisa forçada. Mas vamos por partes. Um primeiro passo para considerar uma collage é a atitude adotada por Lina ao reciclar a antiga fábrica e justapor ou acrescentar um novo prédio que formalmente nada tem a ver, a priori, com a antiga fábrica. Uma abordagem mais ingênua, bastaria dizer que o simples fato de reaproveitar, ou reciclar a antiga fábrica dando-lhe uma nova função, um novo significado, bastaria para afirmar que é uma collage pois o simples fato de introduzir uma nova função lhe deu um novo sentido. Mas não interesando neste aspecto. Quero mesmo demonstrar que o novo edifício proposto por Lina parte de um principio fundamental da collage, o da justaposição ou encontro de dois elementos díspares, em uma conjugação, e que ela se serviu de um elemento pré -existente, uma espera para introduzir um novo elemento, as duas torres com forma de Bunker ou silo. E que estes mesmos elementos guardam uma relação associativa com a antiga fábrica. Estes elementos bruscamente introduzidos na paisagem, algo tão brutal e forte como o próprio MASP nas próprias palavras de Lina Bo Bardi, faz parte de estudo nada ingênuo, mas sim de um estudo bastante elaborado, e com fortes ligações a estética surrealista. Certa vez, conversando com Sergio Lima, lhe sugeri que o Sesc Pompéia possuia algo de surrealista mas que não conseguia detectar; ele respondeu-me que não conseguia ver nada de surreal e mais principalmente de collage. Mas a imagem do Sesc principalmente dos novos edifícios com suas passarelas continuavam a intrigar-me e constantemente ativar a minha mente como uma imagem que me remetia a imagens já vistas, e de reações desconhecidas entre eles e a antiga fábrica . As duas torres pareciam surgidas as vezes de uma gravura de Piranesi, as vezes como dois componentes cerebrais articulados que se comunicam constantemente por suas passarelas, a idéia de Bunker de um cenário de ficção científica , de um grande silo esburacado por um bombardeio, com suas aberturas irregulares, tudo isso sugeria o novo prédio, é uma sucessão de envios incessantes a outras formas, a descobertas, que não se relacionam com nenhuma forma ou edifício das proximidades. O nov edifícios eram literalmente o elemento, o fragmento do inesperado colocado ao lado da antiga fábrica. Entre eles não existe pelo menos a idéia primária de um edifício colado ao outro, apenas colado em proximidade, duas imagens em simultaneidade de shock. Entre um edifício e outro um, solarium com um pequeno riacho coberto por um deck. Não é uma collage, onde se tenta uma aproximação das imagens dos edifícios por simplicidade formal ou tipológica. A reação que se estabelece entre os dois (a antiga fábrica e os novos edifícios) se dá num plano de significados, de parentesco, de relações não explicitas de forma, mas por reações não aparentes, as reações, tais como as colagens surrealistas, deve-se encontrar na cabeça de quem vê estas colagens. A descoberta destas reações é a descoberta da collage. Nesse sentido, tal como os princípios da collage, ou da imagem surrealista, quanto mais distantes sejam estas reações mais brilho poético possui esta imagem. Sabe-se que Lina Bo Bardi nunca teve uma relação direta com o surrealismo, mas não se pode negar que provavelmente em sua formação européia tenha tomado contato com estes princípios, assim como o conjunto da Pompéia tinha um poderoso teor expressionista ."É verdade e isso vem de minha formação européia, mas eu nunca esqueço o surrealismo do povo brasileiro, suas invenções, seu prazer em ficar todos juntos de dançar e de cantar". A isso podia-se associar que como esposa de P.M.Bardi e de seu contato com o mundo da arte do folclore brasileiro, tudo isso colabora a idéia de que Lina conhecia um pouco, ainda que inconsciente, o processo de criação surrealista. Mas, isso não é tão importante importa nesse caso mais o produto que o processo. Lina sabia, isso por seus estudos, investigações sobre "O Direito ao Feio", que não existe um conceito de belo ou feio, e que a beleza surge da conjugação, de duas imagens-inclusive feias-, seu redesloucamento de contexto. Esse conhecimento pude observar um pouco, mediante sua habilidade em justapor objetos distintos, móveis, etc... Em sua casa, onde conseguia conjugar objetos do, folclore de arte e antiguidade européia. Lina tinha uma forte predileção pelo feio, e não cessava de lembrar que "esperava que o conjunto esportivo do Sesc fosse feito, bem mais feio do que o museu de arte de São Paulo".
Afinal o Sesc Pompéia possui todos os ingredientes de uma collage surrealista.

23 de abr. de 2009




AS COLLAGENS DA LINA BO BARDI

por Achylles Costa Neto
Lina Bo Bardi. Estudos para a revista Habitat. Collage
Lina Bo Bardi. Collage.Estudos para o pavilhão do SESC Fábrica da Pompéia. São Paulo. 1977.
Lina Bo Bardi. Collage. Exposição da Agricultura Paulista: Parque da Água Branca. São Paulo, 1951


I
Collage é um procedimento projetual cuja utilização de imagens distintas, geralmente já impressas, procura recriar novas linguagens e novos contextos a partir de outras figuras existentes. O que a diferencia, de fato, é a interpretação das linguagens que ela instiga. Seu princípio percorre a produção e a representação arquitetônica, constituindo-se como um objeto e um procedimento da arquitetura – um método projetual. Assim, se poderia dizer que ela está contida no processo de criação de um projeto e serve também como forma de apresentação para clientes. Collage é a arte do encontro de figuras, papéis, fotografias, através do ato de recortar e colar. Colar significa unir, e, nessa união, tem-se a possibilidade de combinar diferentes técnicas, como, por exemplo, a reutilização de resíduos impressos, registros fotográficos, com desenho feito à mão livre sobre uma superfície.
Embora muitas vezes Lina não utilizasse a collage explicitamente, esse procedimento se fazia presente no momento da criação, da apresentação e da obra arquitetônica. Ela não a utilizava com freqüência, mas a reconhecia como potencialidade no desenvolvimento das idéias projetuais e como coadjuvante no seu processo de representação. Inicialmente, as colagens aparecem nos seus projetos de capas de revistas e, posteriormente, vão passando, pouco a pouco, para seus desenhos e para seus projetos arquitetônicos. Em 1946, Lina dirige e produz uma série de collages para as capas das revista ‘A’ - Cultura della Vita, dando início à sua produção de periódicos. A revista continha artigos e fotografias sobre arquitetura, arte e atualidades da época.
Na capa da revista, ela utiliza-se da imagem de uma lata, que poderia ser de sardinha ou patê, e dentro dela cola uma fotografia com uma multidão de pessoas muito próximas umas das outras, dando a idéia de serem sardinhas oprimidas, ou esmagadas como uma massa de patê. A lata parece sobrevoar a fotografia-base e sua sombra projetada no solo fortalece tal leitura. Essa figura é colocada sobre outra fotografia, com grandes avenidas periféricas e prédios que se entrelaçam. Nessa fotografia, que serve como imagem base, ela cola um pequeno texto abaixo da letra “A” (que indica o nome da revista) e uma história em quadrinhos na parte inferior da revista. O texto visa esclarecer a proposta da edição. Diz que: “Nós vivemos confinados em ambientes insalubres, apertados na desordem das nossas cidades super lotadas. Todos devemos nos interessar com o problema da casa, se quisermos melhorar as nossas condições; viver melhor em alojamentos melhor organizados. ‘A’ divulga um referendo que tem o objetivo de determinar um mobiliário ideal. A participação de vocês é de máxima importância! A voz da opinião pública deve ser na base da reconstrução”.
Observamos na topologia dessa collage que ela está intimamente ligada aos desenhos dos projetos arquitetônicos de Lina. Na capa encontramos o desenho principal, os pequenos desenhos e os textos como narrativa orbitando o desenho principal. Só não estão presentes as setas e flechas indicativas. Observa-se também como Lina aproveitava suas representações como se fossem páginas de revista ou histórias em quadrinhos.
As revistas são um meio de divulgação, reprodução e propagação da própria arquitetura através de imagens. Segundo Fernando Fuão: “Revistas são superfícies de onde se projetam modelos. Sobre a superfície das suas páginas, o objeto arquitetônico se reproduz sobre a forma de três elementos constitutivos variáveis que, a princípio, coexistem simultaneamente: O desenho: matéria que documenta a gênesis da idéia do projeto (inclui também as formas tridimensionais de projetar). Explica a construção da fotografia porque, por sua vez, também é fotografado. A fotografia: elemento que documenta a realidade do projeto, ou do próprio desenho (vestido imagem). O texto: elemento que em princípio não faz mais que explicar as fotografias (vestido escrito)”
Mais tarde, em 1950, já no Brasil, Lina edita a revista “Habitat”. Ela prefacia na 1ª edição que “‘Habitat’ significa ambiente, dignidade, convivência, moralidade de vida, e portanto espiritualidade e cultura: é por isso que escolhemos para título desta nossa revista uma palavra intimamente ligada à arquitetura, à qual damos um valor e uma interpretação não apenas artística, mas uma função artisticamente social”.
Foram feitos três estudos para a capa da 1ª edição da revista, sendo a Habitat a que foi publicada. Também esses estudos foram desenvolvidos com a utilização de papéis coloridos e reutilização de material fotográfico impresso. Os materiais foram recortados em formas circulares, retilíneas e retangulares, e posicionados de maneira aleatória na face retangular da capa. Esse procedimento vinha, muitas vezes, acompanhado de desenhos feitos com grafite ou nanquim. Suas cores e texturas vêm da própria escolha da imagem previamente selecionada, recortada e, posteriormente, colada. O nome da revista é sempre formado por letras recortadas em papel, em cor diferente do plano de fundo da capa. Os materiais fotográficos e papéis coloridos, no caso da imagem do primeiro estudo, são divergentes das idéias representadas pelos grafismos que Lina apresenta.
No primeiro estudo faz desenhos à mão livre no papel vermelho e cola o rosto de um menino chorando. Sobre ele, pedacinhos de papéis verticais, como se fossem grades. A foto do menino preso por barras contrasta com os pássaros em liberdade desenhados à mão livre. A poética da imagem revela a própria essência que a collage traduz, ou seja, novas realidades e contrastes na aproximação de imagens distintas. Na outra capa Lina utiliza apenas papéis coloridos e fotografias sobrepostas. As letras do título seguem o mesmo procedimento do estudo anterior. No estudo definitivo foram coladas fotografias, desenhos e papéis coloridos, distribuídos como um mosaico sobre o fundo preto.
Em outros estudos para diagramação de revistas a arquiteta organiza um protótipo com dimensões de 7x9 cm, o que demonstra sua habilidade em edição de texto e imagem. Esse pequeno estudo faz lembrar uma fotonovela, uma narrativa através de recortes, reforçando a idéia da narrativa medieval e/ou das “representações originais” das quais fala Gombrich.
Segundo Lina: “O arquiteto [...] foi cada vez mais insistindo na apresentação espetacular, que vai, desde a perspectiva para o uso do comitente, até as maquetes animadas por pequenos brinquedos, e as fotografias ajustadas nas fotomontagens, numa espécie de visão falseada da realidade”. Essa “visão falseada da realidade” a que ela se refere no texto acima seriam as collages, que se encaixam dentro da ótica da perspectiva, isto é, simulam a idéia de profundidade. Aqui, o termo “visão falseada” vem carregado de uma forte consciência do verdadeiro ato de representar, que fortalece sua decisão sobre esse procedimento. Uma análise mais detida e cuidadosa das collages de Lina demonstra que, algumas vezes, ela se vale dessa falsidade da representação clássica para que suas idéias sejam melhor compreendidas. Entretanto, tinha consciência desses processos e acreditava que essas representações deveriam ser o menos “falsas” possível e deveriam facilitar a leitura e interpretação, extrapolando a visão tradicional.
Colar papéis em uma fotografia e recortar uma figura para reutilizá-la depois, completando-a com desenhos, foi uma das intenções de Lina na collage feita para um dos pavilhões do SESC Pompéia. Fotografias, desenhos e texto articulam-se nessa representação de uma forma muito peculiar, vistos de uma distância suficiente para não perder os traços do desenho. Parece que nos deparamos somente com três figuras. Há o encontro, a articulação, de três fotos simultâneas que não se juntam no papel, na nossa imaginação, como uma colisão de imagens. Às vezes essas fotos completam o desenho. Outras, é o desenho que completa, intervém sobre elas. Há ainda momentos em que desenho e collage dialogam, tocam um no outro. Trata-se de uma potencialidade visual observada por André Breton quando define que: “Collage é a maravilhosa faculdade de obter duas realidades completamente separadas sem abandonar o território da nossa experiência, de juntá-las e conseguir que saia uma chispa de seu contato, de reunir dentro de seu alcance dos nossos sentidos, figuras abstratas dotadas da mesma intensidade, do mesmo relevo que outras figuras, e de desorientarmos em nossa memória ao tirar um ponto de referência”
As três imagens estão centralizadas e um pouco acima na folha, ocupando menos da metade do suporte. A imagem maior tem aproximadamente quatro vezes o tamanho das duas menores. A maior é uma fotografia interna dos antigos galpões do SESC. Sobre essa foto, Lina deposita recortes de papel branco. Sobrepõe, como layers opacos, um por cima do outro para propor e estudar os acessos aos mezaninos através de rampas. Depois de colar, desenha em cima do papel sulfite algumas pessoas, para identificar seus acessos, uso e escala. Ela estende o espaço com linhas feitas com régua e caneta BIC, completando as estruturas da cobertura do galpão e do piso. Essas linhas acentuam a profundidade desejada para a inclusão das rampas. A fotografia se mescla com as rampas, fazendo nascer uma nova figura.
O fundamento da collage não reside na cola. É mais significativo do que o simples ato de colar. Como definiria a célebre frase de Max Ernst: “Se as plumas fazem a plumagem, a cola não faz a collage”. Em seu livro “Collage em nova superfície”, Sergio Lima faz uma distinção entre “colagem” e “collage”. Para ele, colagem é “todo material aplicado, por meio de cola num plano, como superposição, reunião, grupo ou ‘ajustamento aleatório de texturas’ numa superfície” . Collage seria a “exploração de uma nova sintaxe, a partir de imagens já conhecidas, ‘usadas’ por meio de cortes; collage é análoga à poesia”. É certo que não são papéis colados que fazem este procedimento, mas sim o encontro das figuras. Nesse encontro é que se conectam os objetos e os espaços que aguardam nossa interpretação, nossa conexão, e que agem como disse Fuão: “uma ponte que tem por finalidade conectar fragmentos de mundos, realidades distintas ou similares e em geral se configura como uma solução ao problema do transporte sobre o abismo do recorte. [...] A função da ponte antes de mais nada é transportar, reduzir distâncias, abolir o tempo da narrativa clássica”. Nesse caso, as linhas do desenho cumprem a função de ponte, de conectar um espaço no outro.
Para se fazer collage tem-se que ter várias figuras recortadas de antemão. Não se pode faze-las se não tiver nenhuma figura para depois fazer os encontros. O recorte é “a castração, amputação, e também com a circuncisão, um ritual de passagem que revela, mediante a prática do corte, uma nova realidade. [...] O corte é o que permite a fragmentação das figuras para sua posterior aproximação na collage. [...] É a confecção do abismo, da descontinuidade, do distanciamento entre os corpos, entre as linguagens” (Fuão).
Por outro lado, é possível também observar na collage arquitetônica de Lina Bo Bardi, mesmo quando não explicitamente, o quanto estava presente o princípio desse procedimento em seus projetos. Ela articula os velhos galpões da antiga fábrica do SESC Pompéia com o moderno prédio brutalista do Bloco Esportivo como fossem duas imagens distintas – literalmente um choque na paisagem. Nesse mesmo edifício podemos também comparar as suas “janelas buracos”, como um bunker bombardeado, um prédio em ruínas, que pode ser interpretado como uma outra collage. Há uma forte tendência em Lina de aproximar tempos, possibilitando consagrar seu pensamento, ter uma collage da sua própria vida, onde ali estão presentes o seu passado nostálgico, a lembrança da guerra e, possivelmente, de seu escritório bombardeado. Conforme Fuão: “As ruínas só nos surgem carregadas de significado na medida em que expressam visualmente o afundamento de um tempo presente e a possibilidade de ‘recriação’ de um tempo passado que não volta a repetir-se”.
Na outra imagem, embaixo à esquerda da Figura, Lina escolhe de sua “agenda” de recortes uma fotografia para mostrar uma das idéias que tinha para aquele espaço. Na fotografia, destaca a areia e as crianças brincando, deixando claro qual a utilização que seria dada àquele espaço. Completa a grafite o corpo e o rosto das crianças, que haviam ficado incompletos devido ao recorte da foto. Observa-se que as escalas das figuras humanas desenhadas, tanto as que foram depositadas nas rampas como as da fotografia, não se encaixam no plano teatral cartesiano clássico. Hoje, nesse espaço de exposições, não existe areia colocada no piso, mas percebe-se a importância dos elementos da natureza através da presença de um espelho d’água projetado para aquele lugar e denominado por ela de rio São Francisco. O recorte incompleto da fotografia foi concluído a grafite, para que a ausência da imagem fosse restaurada. Ela derruba literalmente a fotografia sobre o suporte e delimita um território que seria a extensão do piso do galpão, como um tapete. À direita dessa imagem é colado um recorte de revista sobre a base do suporte. O recorte mostra esculturas que parecem pertencer à região do rio São Francisco, que lembram pessoas vestidas com roupas coloridas e alegres, parecendo dançar. Não há interferência de outras collages ou desenhos sobre a imagem, mas há ali, no movimento e nas cores, uma vontade de que os futuros galpões do SESC Pompéia se tornassem um espaço popular de diversão. Parece evidente que eram essas pessoas “populares” que Lina pretendia que festejassem aquele espaço. Aqui, a idéia se traduz na imagem.

17 de abr. de 2009






AS COLLAGENS DA LINA BO BARDI
por Achylles Costa Neto
II

Marcelo Ferraz disse que: “Lina adorava fazer collages. Ela trabalhava na madrugada. Como dormia muito cedo, acordava muito cedo, perto das 4 horas da manhã. Era a hora que ela mais gostava, por causa do silêncio. Então, ia buscar algum trabalho para fazer, recortar.... Quando a gente chegava pela manhã para trabalhar, já estava lá com uma coisa meio pronta ou encaminhada para fazer. Então, ela tinha uns papeizinhos recortados ou já tinha visto alguma coisa em uma revista. Recortava muita coisa, juntava coisas na agenda. Em resumo, ela já tinha preparado o material que iria nos mostrar. Aí, a gente ajudava a montar ou colar esses desenhos de apresentação”. Lina percorria as revistas em busca de algo que pudesse servir para representar sua idéia, passeava pelas folhas, despreocupadamente, até que uma imagem lhe dissesse alguma idéia. Sobre esses “papeizinhos recortados” que fala Ferraz, tivemos acesso à sua pequena coleção de recortes ou pelo menos o que sobrou de suas atividades.
Lina era uma colecionadora. A idéia de coleção esteve presente em toda sua vida e em vários projetos de Lina Bo Bardi, como a sala de exposições de quadros do MASP, em suas inúmeras exposições de utensílios populares e nas coleções de objetos de sua casa. Talvez um certo gosto ou hábito que adquiriu do colecionador Pietro Bardi.
No estudo publicitário para um dos estandes da exposição da Agricultura Paulista, Lina propõe uma cena de trabalho em uma lavoura, com trator, figuras de boi e uma residência do campo, representando uma noite com cometas e estrelas. Para isso, cola um papel preto sobre o papel cartão creme e, sobre este, deposita quatro figuras. No fundo preto, que representa uma cena noturna, traça uma linha sinuosa com a tesoura e divide o papel preto em duas partes. Essa linha sinuosa que rasga a noite como a cauda de um cometa poderia ser analogamente lida como um sulco feito com o arado sobre a terra. Ainda para dar um aspecto mais lúdico, rústico e irreverente, Lina faz várias perfurações com uma agulha para representar um céu com estrelas. A fim de reforçar essa idéia, coloca uma nota no suporte indicando como deveria ser observada a imagem: “Olhar contra-luz”. Afinal, o que seria mais realista na representação de uma estrela? Pintar um ponto branco com pincel, colar uma estrela ou simplesmente furar com uma agulha e olhar contra a luz?
Das quatro figuras (o trator, o boi, o cometa e a casa) colocadas em primeiro plano, apenas a casa é fixa. As outras se movimentam e deixam rastros. Entre as figuras, o trator aparece com poucos detalhes. Seu contorno foi desenhado e recortado em papel vermelho, e seu arado desenhado à mão livre. Na outra imagem, os animais foram pintados de azul com flores rosas, lembrando a cultura e tradições nordestinas, como na imagem do bumba-meu-boi. Lina desenha primeiramente as figuras, pinta com caneta hidrocor sobre as imagens, recorta e cola sobre o suporte. Quanto aos desenhos, poderíamos interpretá-los como uma intervenção na imagem, uma espécie de “cosmética” da representação, uma tatuagem. A outra figura, localizada acima do trator, é uma fotografia de uma casa que lembra as construções do interior paulista. À direita, há um cometa recortado em papel ocre escuro, que fortalece a idéia de uma noite sem nuvens. A intenção de Lina, ao colocar o trator e o animal frente a frente, foi instigar um debate sobre a mecanização e a agricultura tradicional, um confronto da supremacia do animal, do ser vivo em relação à máquina.
Em outros conceitos que a retórica da collage nos apresenta, temos a fotomontagem para o projeto do teatro do edifício Taba Guaianases, em São Paulo. Nessa representação, Lina recorta uma arquibancada de um teatro grego, colando-a ao fundo do suporte. Pinta com aquarela – com uma coloração azul sutil – sobre as arquibancadas, para marcar a idéia de circulações entre as poltronas. O mesmo azul e uma aguada de preto vão fazer o trabalho de fechamento na composição, numa espécie de abraço. São linhas pinceladas que encerram e encenam o espaço. Há algumas escalas humanas sentadas na platéia e outra – o ator no palco central, de braços abertos – apenas delineada com uma ou duas pinceladas. No forro do teatro foi colada a fotografia de uma cobertura projetada para outro auditório, mais contemporâneo. O recorte, apesar do contraste, parece encaixar-se perfeitamente na proposta. Para fazer uma amarração na composição, pintou com pincel e nanquim as propostas dos palcos laterais. É aqui que esses conceitos iriam começar a aparecer em suas representações de projetos.
Poderia-se dizer que essa collage é uma representação ilusionística típica das perspectivas comerciais feitas para aprovação de clientes. Nela, tudo está opticamente correto – é feita para “enganar”, iludir, encaixada em um belo truque –, apesar de, nesse caso, não se tratar de uma perspectiva comercial. Existem sim, nessa representação, efeitos de trucagem. Nesses “truques” e nesse encaixe de ilusões, Lina articula o antigo e o novo, o passado e o presente, trazendo para ela um sentido mais poético. “A premissa básica da Collage deriva da Poética. O conceito de Poética compreende os materiais e procedimentos básicos que acionam a Collage: o fragmento, o recorte, a cola, os encontros e a sua permanência”, como disse Fernando Fuão.
A articulação de tempos distintos quase sempre provoca um efeito de “choque”, uma colisão. Segundo Fuão: “O shock é a presença do palpitar do silêncio no ruído visual”. Essa união de tempos, esses encontros, trazem a essência que a collage busca. Sobre isso descreve Fuão: “Um olhar que se deseja sobre as imagens, objetos e seres, detectando entre eles toda sorte de analogias poéticas com a intenção de provocar um encontro. A Collage, antes de mais nada, é provocação. [...] O encontro com seu espaço mágico permite à Collage revelar o desejo que a constitui. Equivale à mecânica de articulações de imagens que são reconstruídas. É por sua própria dinâmica, num descobrimento íntimo (revelação, recorte) de onde o fluir original acaba por gerar novas imagens que são fruto das realidades anteriores a nível do imaginário”. O encontro tem por finalidade conectar culturas e épocas diferentes. “O fenômeno está no interior da vista. [...] Conjugação visual, registro transitório de estranhas coincidências que se configuram no imaginário”.
O contato das duas fotografias – do teatro grego e da cobertura do auditório –, por serem destacadas de sua origem e aproximadas entre si, possui a sutil particularidade de atrair, narrar outras histórias, diferentes daquelas que representavam originalmente.
Lina Bo Bardi fez uma série de collages para mostrar e explicar a ocupação da plataforma panorâmica, o belvedere do MASP . Ela trabalhou através de collages com um artifício de papéis coloridos. No caso dessa representação, utilizou apenas fragmentos de papel em que prevaleceram a cor e os motivos infantis, lembrando uma maquete, uma animação. Eles foram usados como agente principal para representar o espaço. O museu está representado por uma perspectiva com um ponto de fuga, construída tecnicamente com réguas e esquadros. No desenho, o observador está bem acima da altura do museu, para possibilitar uma percepção mais abrangente. A ampliação das proporções da plataforma panorâmica parece convidar as quatro figuras recortadas a ocupar o espaço. “A idéia é que esse belvedere poderia ser e ter um grande uso, ser bastante desfrutado, ter equipamento para crianças, ser um lugar muito agradável de se vir. Então ela é hiperbólica nessa intenção. Exagera no espaço para dizer quanta coisa cabe aqui. Na realidade, isso cabe mesmo lá, mas se fosse mostrado de um ponto de vista correto, da fotografia, estaria tudo embolado, um brinquedo em cima do outro”. É através da collage que Lina irá concretizar a idéia de um lugar para múltiplos usos, como ela mesma descreveu: “O belvedere será uma praça, com plantas e flores em volta [...] E gostaria que lá fosse o povo, ver exposições ao ar livre. [...] Até as crianças irem brincar no sol da manhã e da tarde”. Os recortes utilizados nos brinquedos reforçam alguns princípios da collage – a brincadeira e a irreverência. O desenho e a posterior colagem ocasionaram o encontro de imagens que instigam a criação e a representação do projeto.
As figuras humanas de Lina Bo Bardi povoam o espaço, retomando o potencial de transmitir e fortalecer a sensação de um lugar alegre e movimentado. As vegetações, propostas como um jardim suspenso, são desenhadas à mão livre sobre os canteiros, feitos com régua. Eles emolduram e trazem a natureza para dentro do projeto. Cabe observar que, além de colorir as árvores ao fundo e os arbustos das floreiras com as tonalidades do verde, ela também usa a cor azul, que envolve os limites físicos do MASP. Essa cor traz a possibilidade de um espaço infinito, associando ao ar que suspende e envolve o museu e à água que contorna os espelhos projetados para receber os pilares do edifício. Mais uma vez, os elementos vegetal, água e humano estão presentes e confirmam que, reunidos as collages, contribuíram para a construção do estilo Lina Bo Bardi.
As duas primeiras collages, representadas à esquerda, foram primeiramente desenhadas e pintadas isoladamente em um papel mais rígido, utilizando-se dos traços do nanquim, das cores das aquarelas, das luzes, sombras e contrastes, para depois serem acrescentadas ao desenho. A imagem superior mostra um escorregador, com suas rampas deslizantes pintadas com aquarela vermelha que parecem animar a composição. Retorcidas e amarradas a dutos centralizados, com as inúmeras crianças que circulam entre elas, procuram proporcionar o movimento para o espaço externo ao museu. A outra figura abaixo mostra um carrossel multicolorido, sem cobertura, no qual os tradicionais “cavalinhos” foram substituídos por outros bichos e pássaros, como um tatu e uma arara. Suas cores fortes e variadas, que mesclam a aquarela e o hidrocor, traduzem a irreverência, dando a essas figuras maior intensidade dos que as outras duas que serão analisadas a seguir. A escolha e o projeto desses equipamentos proporcionariam uma diferenciação não apenas gráfica, mas, sobretudo, espacial.
As outras duas, à direita, seguem os mesmos princípios das anteriores – primeiro foram desenhadas e, depois, recortadas e coladas sobre o papel. A imagem em primeiro plano foi desenhada com caneta nanquim e pintada com aquarela, utilizando tinta guache branca sobre os dutos circulares para criar efeitos de brilho sobre essas superfícies. Na outra mais acima, Lina utiliza um papel laminado – papel de bala – para representar a esfera, uma bola de metal que produz no todo da imagem um chamamento, através de seu brilho e da irreverência do material utilizado. Essas quatro collages possuem, no lado esquerdo, sombras produzidas pela espessura do papel na cópia heliográfica. Esse relevo que as sombras ajudam a criar causa sensações e efeitos visuais ao observador.
Deslizar o dedo sobre a imagem ressaltada pela espessura é sentir a imagem que procura algum movimento, um pequeno objeto que parece querer saltar do suporte. Ela produz no observador uma necessidade de chegar mais perto, de tocá-la. Olhar também é pegar um desenho, iluminá-lo, projetá-lo. Ver é tocar. Poder passar as mãos sobre as coisas é fundamental para que possamos sentir e enxergar além da nossa visão. Lina se utilizou dessa técnica provavelmente porque este procedimento, em qualquer âmbito, permite jogar as figuras para qualquer lugar, testando suas aproximações, animações no espaço, antes de fixá-las no lugar final. O desenho, ao contrário, não permite isso, pois, na maioria das vezes, assinala já de entrada o local definitivo dos elementos. Daí advém o aspecto lúdico da collage – o jogo, a brincadeira, típicos das atividades infantis. A collage do MASP fala do que é capaz: de brincar.
A utilização do vão do MASP, bem como do belvedere, era de fundamental importância para Lina, uma vez que ambos representavam a liberdade. Em busca da melhor representação de suas idéias, ela desenvolveu vários estudos para sua ocupação. Podemos observar nas figuras a seguir outras collages para o museu nas quais Lina faz questão de frisar os dois ângulos horizontais de visão, que valorizam a utilização do grande vão como um espaço multiuso integrado com seu entorno
Em outra collage para o MASP, dessa vez para estudar os espaços do grande vão abaixo da laje do museu, os desenhos mesclam-se entre a régua e a mão livre, com grafite e nanquim sobre papel canson, onde tais figuras são escolhidas, recortadas, coladas e distribuídas para representar uma coleção de arte. Ela usa um ponto de fuga com régua para montar as linhas da perspectiva, onde deposita algumas pessoas e vegetações muito distante do observador. Há um exagero do espaço, mais alto e profundo. Nessa amplitude, a marquise – laje superior – parece flutuar sobre um fundo neutro.
Trata-se de um espaço desenhado e montado para produzir a sensação de estar entre obras de arte junto à liberdade de um vão de ar e de luz. Lina procurou evidenciar esse espaço como uma outra grande sala de exposição fora do museu, sem vidros, ao ar livre. Essa intenção pode ser percebida nas plantas e parasitas que crescem nas rachaduras da laje de concreto. Olívia de Oliveira comentou que: “Lina não espera o tempo correr e agir sobre a obra, ela já mostra o edifício em seu possível estado de ruína,[...] conflui o futuro e o passado no presente”. Aqui, a ilustração referencia a escolha de elementos na construção da idéia e eleva a collage a um grande apoio (várias formas de interpretação) e fortalecimento da mesma. “As ruínas só nos surgem carregadas de significado na medida em que expressam visualmente a demolição de um tempo presente e a possibilidade de ‘recriação’ de um tempo passado” (Fuão).
Assim, essas rachaduras da laje seriam interpretadas como uma abertura no tempo, uma associação com o espaço infinito. Ao desenhar as rachaduras, projetando o tempo futuro, Lina possivelmente quis passar uma idéia de que a obra pode ficar velha, gasta pela ação do tempo, mas nunca morrerá – é infinita como o espaço. Uma vez erguida, mesmo em ruínas ela permanecerá uma obra, um projeto, um conglomerado de idéias que se tornaram real. Ao mesmo tempo, a intenção de Lina ao evidenciar a ação do tempo no prédio – juntamente com o desenho de obras de uma exposição – pode ter sido a de mostrar (ao cliente) como seria o espaço já construído, já em uso, fugindo, dessa forma, da mera representação do projeto arquitetônico formal, frio e impessoal.
Em outro estudo para o mesmo espaço, aparecem obras e pessoas com proposta similar à da representação anterior. Lina procura evidenciar o parque do Trianon, no outro lado da Avenida Paulista, ao colar uma fotografia do lugar sobre o papel vegetal, que funciona como pano de fundo realista. É uma tentativa de ilusão, de encaixar-se na realidade. Convém observar que mesmo a collage como ilusão, nos anos 50, era uma técnica pouco utilizada no meio arquitetônico. Percebe-se que a laje do museu não foi pintada. Há ali apenas pequenos traços feitos com nanquim. Dessa forma, a laje causa surpresa, parecendo ser um prolongamento do céu. As escalas humanas aparecem em preto e as vegetações em tons de cinza. Lina trabalhou sobre a cópia heliográfica de uma montagem anterior feita em cores. As tonalidades são igualmente neutras, como na anterior. Observa-se que nas duas collages apresentadas anteriormente existem diferenças entre as suas representações. A primeira possui um fundo quase infinito, neutro, abstrato; na outra, o fundo – uma fotografia – é finito, tópico, regular.
As fotografias são fundamentais para se fazer collage. Através de figuras técnicas obtidas por essa “máquina de representar” podemos retirar fragmentos da realidade, captar e reproduzir o que o olho vê. Ela, no entanto, modifica as imagens, transforma os corpos em objetos. A Figura 70 é uma fotografia feita no segundo pavimento do MASP, destinado à pinacoteca, na qual Lina posa com “O escolar”, de Van Gogh, no meio da construção da obra. Ela organizou o cenário para essa foto, pensou detalhadamente no local do suporte e em sua própria posição, escolheu a obra e posicionou os operários. Parece ter havido ali algumas intenções na montagem do cenário, sendo um de seus resultados a possibilidade do espaço absorver a pintura, e da pintura seduzir o espaço da fotografia. Nessa figura, aparece um reflexo do céu no vidro do suporte projetado por Lina para os quadros da pinacoteca do museu, causando um efeito bizarro e, ao mesmo tempo curioso. A pintura de Van Gogh colada sobre esse céu, juntamente com seu suporte, aparentam ser um novo recorte colado sobre a fotografia de Lina no vão da pinacoteca. Uma collage acontecendo ali, naturalmente. Como se refere Fuão: “Collage consiste em deixar buracos sobre a superfície da fotografia. Collage é abrir janelas em falsas janelas. Verdadeiramente um ato de iluminação”. Dessa forma, todo o desenho contrasta com o que existe, e toda realidade se contrasta com esse desenho.
Lina foi, possivelmente, influenciada e incentivada por Pietro Maria Bardi a utilizar as collages para expressar e representar suas idéias, pois havia entre eles uma forte conjunção de pensamentos que determinantemente influenciou os projetos e as collages que faziam.
No início de sua vida artística, Pietro Maria Bardi desenvolveu algumas colagens . Em uma delas, a mais polêmica, a Tavoli degli Orrori – Mesa dos Horrores, é reproduzido um exemplo de arquitetura acadêmica, misturando moda, fotografias de monumentos, retratos, caricaturas e textos. Segundo Herta Wescher: “Bardi publica uma gigantesca montagem com um texto em que ele se pronuncia contra a arquitetura culturalista que se opõe a autêntica arquitetura moderna com suas construções romântico-elétricas. [...] Esta collage deve mostrar ao público os errados caminhos da política oficial italiana no campo da construção. Esta montagem, que é reproduzida pelas revistas, desencadeia uma discussão violenta sobre o objetivo e a trajetória da arquitetura”. A fotomontagem ficou famosa por seu caráter revolucionário, futurista e dadaísta.
As collages futuristas, influenciadas pelos papiers-collés de Picasso, utilizavam numerosos materiais da vida cotidiana, como madeira, ferro, vidro, jornais, recortes de revistas, papéis coloridos, etiquetas, bilhetes de trem, etc. Traziam para a superfície do papel novas realidades, novos elementos formais e figurativos com motivos abstratos. Nas collages futuristas, eram visíveis a vitalidade de sua expressão e seu dinamismo formal. Já o dadaísmo foi um grande movimento artístico internacional que se desenvolveu na Alemanha, nos anos 20, como forma de protestar contra a chamada cultura artística, tendo como um de seus maiores expoentes Hannah Höch. Ele era uma artista de pensar político e sentir social, igual a Lina. A união de ambas as qualidades indicou-lhe o caminho artístico. Suas collages se caracterizavam pela mistura de todos os conceitos e estilos, com ligações com o Expressionismo, Surrealismo e Construtivismo; enfim, um antiestilo proclamado de modo provocador. Como diria Götz Adriani: “Todo aquele que liberta a sua tendência mais pessoal é dadaísta”. O Surrealismo tem como uma das características básicas o fato de que cada artista escolhia o seu caminho, conforme suas predileções. Foi um estilo que revolucionou a linguagem, ligado direta ou indiretamente ao inconsciente, uma liberação total da imagem presa a qualquer conceito. O Surrealismo não se ocupou de invenções, mas de descobrimentos.
Enquanto Bardi procurava um caráter revolucionário em suas collages, Lina fazia com que seu estilo revolucionário fosse transmitido através de seus recortes e collages um tanto mais ingênuos. Podemos acrescentar vários elementos sobre a superfície do papel para dar vida a representação arquitetônica. O imaginário criado pela collage instiga o potencial projetivo e representativo da arquitetura.
A utilização deste procedimento em projetos de museus deu-se também no Museu à Beira do Oceano, com uma representação diferenciada das desenvolvidas para o MASP, como podemos observar a seguir.
Nos estudos para o Museu à Beira do Oceano, em São Vicente, observamos a fotografia da maquete feita para esse prédio inserida em um cenário. O conceito de sua arquitetura pode ser lido nas palavras referidas por Lina sobre esse projeto: “As finalidades serão as anunciadas por toda a verdadeira museografia moderna, o ambiente será de condições naturais, paisagísticas, climáticas, econômicas e sociais”. Ela faz estudos de cor para os pilares do museu, recortando-os e colando-os por traz da fotografia uma cartolina vermelha. Aqui, os elementos da composição, a fotografia e o papel procuram mostrar também a originalidade que a aproximação entre duas realidades diferentes pode provocar. Este papel vermelho aparece como uma pintura, com um caráter de substituição de técnicas – o papel substituindo a tinta.
Na collage desenvolvida para a área de exposição do museu, Lina cola fotografia sobre fotografia, para representar as obras expostas no seu interior. Poucas fotos em preto e branco foram detalhadamente escolhidas para compor o espaço. As figuras, imagens e objetos foram dispostos de forma hierárquica e limpa sobre espaços amplos. Uma perspectiva dos corpos no espaço produz, na sua leitura, uma articulação de planos, um achatamento de figuras. Isso faz com que a visão perceba primeiramente as obras de arte, o que, para esse estudo, é o mais importante.
Em outros dois estudos para esse mesmo espaço de exposição, Lina parece não se satisfazer com o resultado apenas do papel fotográfico e pinta sobre o mesmo com tinta guache branca e preta, para simbolizar o céu, as nuvens, o mar e uma pequena ilha. Sobre essas interpretações, Nelson de Paula, em seu estudo “Collage: um testemunho fenomenológico”, dedica significativa atenção à questão da superfície das fotografias impressas e à importância de pintá-las. Em seu livro, ele aborda este procedimento desde o conceito de experiência, as fronteiras do espaço, passando pela questão da intenção até chegar à collage como uma tatuagem. “A pele foi a primeira superfície de inscrição, o primeiro suporte de representação. Quem faz collage não escreve nada, inscreve. (In)screver é escrever em profundidade, escrever dentro. E aí, a collage torna-se igual à tatuagem”. As inscrições de desenhos, pinturas sobre as figuras ou fotos que Lina fazia vêm ao encontro das collages de Nelson de Paula: “A collage é o testemunho, o rastro. Algo arrancado do ente corpóreo que habitamos, o qual não chama ‘mundo’, mas ‘cosmos’. Essa revolução é a revolução simbólica. [...] Colar é um ato voluptuoso. Recortar é um ato de curiosidade. E riscar é um ato operacional, faz parte da mecânica do amor. Tal trabalho está ligado ao conceito de maquilagem. A maquilagem ora (hora) esconde, ora (hora) revela. No fundo, o que ela busca é o êxito poético, o encantamento. Este só ocorre devido à dignidade da significação. Decifrar a maquilagem é decifrar a máscara”.
Observa-se que Lina utiliza a mesma base do papel fotográfico para construir outra collage, substituindo os quadros e esculturas da sala de exposição. Ela possivelmente montou a primeira, fotografou-a e, posteriormente, remontou a outra, obtendo assim uma nova exposição, uma nova collage. Há, na disposição espacial dessas imagens sobre o vazio do espaço, uma aproximação com as obras do pintor De Chirico, sendo que uma das imagens utilizadas por ela é uma obra do artista– localizada abaixo à direita –, cujos objetos também se apresentavam soltos em seus quadros, evidenciando o aspecto metafísico do espaço. O aspecto surrealista e a técnica como forma de representação dessa imagem são percebidos na linha do horizonte ao fundo, que mostra o infinito e resgata uma proximidade inclusive com a obra de Salvador Dali.
Também semelhante ao estudo feito para o Museu à Beira do Oceano é a collage que Mies Van der Rohe fez para o Museu para uma cidade pequena, datada de 1942. Ele articula planos abstratos e esculturas soltas no espaço, depositando uma fotografia da Guernica de Picasso, assim como Lina fez com a obra do De Chirico. São surpreendentemente próximas uma da outra. “Traz o trânsito da collage ao objeto trouvé da fotografia”, numa mesma topologia; elas se coincidem no que se refere à utilização desse tipo de procedimento para representar espaços de arquitetura.
Em outra collage para o Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, a arquiteta resgata a profundidade do espaço. Segue os mesmos princípios utilizados para as collages do MASP e para o Museu à Beira do Oceano: amplas salas construídas com linhas de perspectiva que mostram grandes profundidades, obras “soltas” pelo espaço que parecem flutuar pelo suporte, e os usuais efeitos de liberdade e transparência dos vidros. Ela representa obras de arte dentro do museu através de imagens que lembram obras de arte. As que estão fora foram desenhadas com caneta e coloridas com aquarela. Essas obras – esculturas permanentes – aparecem desenhadas junto ao Parque do Ibirapuera e do perfil da cidade, ao fundo. Algumas dessas linhas ficaram no grafite; outras foram reforçadas com a caneta BIC, sendo ora traçadas mais leves, ora mais reforçadas.
Sua maneira revolucionária é traduzida aqui quando recria os expositores com base de pedra goiás. Eles foram desenvolvidos para uma exposição temporária com o sistema de “cavaletes”, como Lina informa no suporte. Não seriam mais de vidro, como no MASP, mas painéis de madeira para serem utilizados dos dois lados. A fim de representar as obras fixadas nos painéis, ela cola sobre o desenho diferentes fotografias retiradas de revistas, algumas abstratas, outras não, com a mesma proposta adotada no estudo para o Museu à Beira do Oceano. A imagem da direita, mais escura, contrapõe-se com as manchas de nanquim preto ao fundo, que representam o piso de borracha, fazendo um contraponto para a composição. Há inúmeros textos explicativos sobre os materiais e as cores das paredes, pisos e forro. Aparecem também detalhes da caixilharia dos vidros, tipo de luminárias e iluminação, assim como informações sobre os painéis. Os textos são escritos dentro de “balões”, como numa história em quadrinhos. Percebemos também que esses círculos e elipses são como extensões das bases em pedra dos expositores.
Dessa forma, as representações com este procedimento tornam-se expressivas, não apenas pelo ato de colar, mas de significar o objeto representado e encaixá-lo dentro de um outro contexto. Através dela, se alimenta o processo criativo, o imaginário. Aquela “chispa” produzida pela collage poderia ser considerada como um combustível gerador de idéias. Para Hannah Höch: “A técnica da collage é o paradigma de um princípio de mistura, baseada numa seqüência de decisões. A primeira decisão é o recorte. É a mais radical porque se refere à destruição de um dado conjunto. A segunda decisão daí resultante é a nova ordenação das parcelas”#. Misturar procedimentos e técnicas, decidir opções de projeto, todo esse processo, esse ato de reapresentar idéias, costumava ser bastante claro para Lina Bo Bardi. Cabe salientar que toda imagem construída por ela é uma representação de sua vivência. Com isso, obtinha resultados consideráveis na sua forma de criticar o tradicional. Utilizava e desenvolvia as collages como a expressão da liberdade – elas, por si só, já são a própria liberdade.

12 de abr. de 2009


O cais do Porto do Rio Grande. Collage. fernando Fuão

9 de abr. de 2009

LYA PAES DE BARROS. Collages









Texto de Fernando Freitas Fuão e Michele Finger.26/02/99


Em um encontro do grupo surrealista na casa de Lya Paes de Barros, tivemos a oportunidade de ver uma retrospectiva de seus trabalhos. Os primeiros trabalhos apresentados eram pinturas, de um período em que a artista pintava sementes de amendoins, elevados a uma escala macro, visto desde a ótica de um objet trouvé. O tema principal, as sementes de amendoim, era extremamente ligado ao sensual, às formas arredondadas, envolventes e aconchegantes, lembrando ninhos. O fascínio inicial despertado pelo objeto amendoim: pela semente -até então ninguém suspeitaria que metaforicamente eles cresceriam e liberariam uma explosão de imagens de plantas.
As sementes, se tornaram florestas, selvas e ganharam formas surreais em muitas composições. Os trabalhos desta primeira fase eram um caminho, uma busca, uma procura e uma inquietação em representar as diversas formas, volumes, composições que aquele amendoim pudesse gerar, chegando algumas vezes a abstração da figura.
Lya produziu uma pintura que não deixa de ser uma colagem de plantas, árvores, fazendo uma colagem no seu sentido mais simples de acumulação. Durante algum tempo Lya desenvolveu a pintura em paralelo a suas collagens, sem que uma técnica interferisse substancialmente uma na outra.
Parece que, Lya não se fixou pela collage.
Não se deixou asfixiar pela cola. Compreendeu através de suas investigações e estudos o sentido mais profundo da transformação do significado das coisas e do mundo. E em vez de transformar, transmutou o universo da collage para sua pintura.
Nesta sua última fase suas collages se misturam com suas pinturas com betume, nas quais Lya pinta sobre o suporte de pequenas chapas de eucatex, de dimensões 15 x 30 cm.
O seu trabalho mudou completamente, as pinturas dos amendoins passaram a ser apenas estudos, perto do que agora vemos: trabalhos de extrema delicadeza, minunciosidade, perfeccionismo nas formas, na composição, tudo é muito bem elaborado. Num trabalho de paciência oriental.
Lya grafa também poesias nestas pequenas tavoletas que acompanham as placas do quadro, literalmente dípicos com ar medieval-renascentista próximos a Bosch. São tábuas bordeadas de tinta dourada que dão ares também ao kitsch e ao vulgar. Assim move-se o trabalho das placas, na despretensão do casamento do desejo, do sofisticado, com o vulgar, e o ingênuo.
Nesta dialética ou casamento seu trabalho ganha um outro nível de leitura e vai além, sai do orgânico, adquire ares de paisagens orientais, aproxima-se ao arte psicodélico, e ao abstracionismo, tudo isso somado a presença de pequenas figuras recortadas denunciando ou referenciando a importância e dependência com a collage.
Dentro da lógica e da terminologia do surrealismo seu trabalho transborda, excede, e atinge os limites do maravilhoso. Suas collagens-pinturas, -por que não chamar asssim-, são cenários fantásticos, oníricos, orientais. Sua visão traz a tona o arquétipo da Hyleia, da floresta, da floresta encantada da infância de todos nós. Algumas vezes, essas florestas apresentam-se um pouco dark, mas sempre banhada de uma luminosidade vaporosa. Lya consegue nos transmitir essas sensações tão difíceis de serem representadas e descritas. Uma floresta dourada, enriquecida, sugestiva ao ponto da nossa imaginação sentir-se atraída e mergulhar neste território inóspito. O dourado entra em profuzão na obra enaltecendo todo o trabalho e contribuíndo para atingir o brilho do maravilhoso.
Lya cinziu-se de uma beleza e de uma riqueza impressionante, incorporou a collage na pintura em pequenas doses quase homeopáticas. Essas pequenas figuras recortadas articulam-se com as manchas de betume misturam-se facilmente e proporcionam idéia de homogeneidade e continuidade.
Na obra de Lya tudo se transfigura, transmuta aliás talvez seja essa a expressão mais oportuna para designar seu atual trabalho. Neste aparente abstracionismo que a obra de Lya sugere, cidades acabam também virando florestas. O conjunto habitacional Galaratese de Aldo Rossi, mistura-se a outras figuras de edificios anônimos numa grande collage. Suas cidades irônicamente tem aparência betuminosa, rementendo-se a idéia de cidades poluídas, ou cinzentas.
Em outro trabalho pequenos cavalos são incorporados a uma paisagem surrealista feita de manchas que sugerem montanhas, com um colorido típico de alguns quadros de Bosh e de Brueghel. Talvez nesta obra , o mais curioso seja o efeito de estranhamento de escala que estas pequenas figuras recortadas proporcionam, pois, ao incorporarem-se na obra, podemos pensar que elas são realmente cavalos muito pequenos em meio a uma paisagem normal, ou cavalos normais em meio a uma paisagem anormal. Seus trabalhos são abertos sugestivamente operam muito com a idéia de dupla leitura, entre o abstrato e o figurativo e alguns outros com a idéia de superposição de imagens distintas.
Lya nos mostra chapas em eucatex com escrituras, poemas, anotações de frases soltas que lhe ocorriam enquanto trabalhava, o texto escrito no seu conteúdo é muito rico, mas a maneira plástica como Lya os escreveu, a letra, a maneira de pintar essas placas e a sua composição cria uma desconexão plástica contrastante entre as chapas com poesia e as chapas pinturas. A impressão que temos ao olhá-las lado a lado é que foram feitas por pessoas diferentes, essas plaquetas escritas nos remetem à ex-votos. Mas este contraste entre o trabalho artístico (pintura-collage) e a poesia (texto escrito), deve-se a uma maior intimidade de Lya com a linguagem visual, e uma carência de familiaridade com a maneira de encaixar a escrita a estes trabalhos plásticos.
Parte dessa banalidade é porque, geralmente, as poesias que escreve são reinterações da imagem do quadro, sem muitas vezes nada a acrescentar, algo completamente oposto ao trabalho de Sergio Lima que se utiliza dos títulos do quadro como uma imagem distinta do quadro, para provocar a colisão de imagens.
Em sua obra “Quando o céu está sonhando no tempo em que estás fumando...”, pequenos anjos são colados numa vaporosidade de tons dourados, amarelos, cinzas e pretos, tudo isso assinalado por um retângulo que enquadra o vaporoso, logo abaixo um outro retângulo, de menor altura enquadra uma paisagem bastante terrena representada mediante manchas e com um grafismo que sugere cataclismas, ruínas, arquiteturas sobmetidas a destruição, tal qual as pinturas de arquiteturas fantásticas de Desiderio Monsu, ou do quadro “Cidades em chamas” de Bosh. Em seu trabalho: “E tudo que é pesado cai na terra....” “Passei meus dedos pelo muro da minha pele e com dez olhos enxerguei: a escritura que escrevestes, as mentiras que pregastes, os pedidos que fizestes”.
Manchas sugerem escritas, um retângulo de cor dourada e um círculo funcionam como uma lupa que clareia, ilumina, amplia as manchas escuras, revelando formas que sugerem nuvens, figuras humanas, e principalmente letras, pictogramas. A escrita das nuvens, a escritura da terra, e a das cidades.
Em seus trabalhos anteriores onde não aparecia ainda a presença das tavoletas com poesias, a influência oriental é marcante. Lya declarou certa vez, em uma conversa, que quando começou a pintar este tipo de coisa não tinha conhecimento das conhecidas paisagens orientais, e acabou recriando paisagens fantásticas.
Assim é o universo maravilhoso de Lya Paes de Barros.
Dentro da trajetória de Lya pode-se observar a mudança do modo como se utiliza das collages. Lya começou a trabalhar com a collage dentro da metodologia ou melhor dizendo, da receita (Nota) proposta por Sérgio Lima, que opera basicamente com conceitos e significados de alto grau. A forma com que Lya vem traballhando, da forma mais “simples”, de certa maneira que os limites entre a colagem e a collage são muito tênues, e que a descoberta do significado da experiência direta com a obra, independente do significado. “A experiência da criança não articula significado com prazer...”
Ao analisarmos algumas de suas antigas collages poderemos observar algumas das características utilizadas por Lya Paes de Barros.
Na collage-objeto, Fascinação de 1987 Lya estabelece relações entre duas imagens e alguns pequenos objets-trouvés, a direita vemos uma figura feminina meio encoberta por uma rede muito fina de linhas pretas, a esquerda a imagem de uma pirâmide do Egito que no seu cume tem a figura do sol radiante, ainda no lado esquerdo da composição vemos um bastidor circular que tem uma referência direta com a forma do sol, e que também por ser um bastidor de costura, se relaciona com as linhas que saem dele e criam um emaranhado em direção a figura feminina que esta a direita da collage. Ainda dentro deste bastitor Lya recorta um pequeno pedaço de tecido na cor azul e o costura com diversos pontos e entrelaçamentos, deixando este tecido totalmente preso e costurado no bastidor. Podemos ainda perceber alguns pequenos elementos em metal que apenas pontuam o espaço do trabalho.
Analisando uma segunda collage com o título “Enigma” de 1987 podemos observar que assim como na collage 1, Lya utiliza novamente a imagem de uma pirâmide do Egito e ainda nesta collage aparece um outro elemento neste caso a imagem da esfinge. Mas este é apenas um dos elementos desta collage, toda a composição foi criada sobre um fundo marrom, lembrando a cor da terra, da aridez do deserto. A direita vemos a figura da pirâmide e da esfinge, sobreposta a ela vemos uma imagem da silhueta de uma pessoa na areia, a sua sombra, e uma segunda imagem um pouco mais a direita também aparece outra silhueta: do braço e da mão de uma pessoa. A esquerda da composição estão coladas outras duas imagens, na parte superior imagens de engrenagens de relógios, e um pequeno relógio, logo abaixo vemos a silhueta de um beijo e novamente sobreposta a esta imagem Lya cola uma outra fotografia que aparece a sombra de uma pessoa sentada em uma cadeira. Dentro deste emaranhado de imagens fica explícito nesta collage a relação criada entre as sombras e as silhuetas das figuras e o próprio título da collage já se refere a este “Enigma” que é criado em torno das sombras, a imagem de uma sombra sempre é negra e nos revela o contorno de algo, deixando sempre em dúvida muitos outros elementos, como as cores reais, os detahes escondidos e encobertos pela sombra, etc. As sombras são enigmáticas.
Em uma terceira collage de título “O Ponto Mágico”, 1987, sobre um fundo preto Lya cria uma composição sensual. Na parte inferior da collage vemos ao fundo uma fotografia preto e branco de uma paisagem com montanhas, e aparecem algumas nuvens de neblina que encobrem o cume de algumas destas montanhas, sobre esta foto de paisagem vemos uma outra imagem de uma casal nu envolvidos em um abraço, os dois estão com seus olhos fechados num deleite, como num sonho de prazer. Lya sobrepos a esta imagem fotográfica um papel transparente, e copia a imagem do casal utilizando uma caneta esferográfica de traço fino, com esta imagem transferida para o papel de seda Lya opta por deslocar para cima e assim ter a imagem duplicada dos amantes, que parecem ter se transformado em um véu. Logo acima deles vemos imagens de nuvens e ainda colados sobre este céu, Lya usa pedaços de algodão que remetem as imagens das nuvens e compõe um universo de sonho e fluidez, que resaltam ainda mais a leveza da composição. Temos nesta collage uma perfeita relação e uma harmonia muito rica entre as imagens, os elementos e suas características, neste caso o elemento algodão veio reforçar ainda mais a idéia de sonho e como não, poderíamos de deixar de sitar aquela velha expresão dos apaixonados “Me sinto nas nuvens com você”, fica explícita nesta composição tão criativa realizada por Lya Paes de Barros.