14 de abr. de 2010
























Collage. Canyons. Fernando Fuão, 1995. Extraido do livro "Canyons, a av Borges de Medeiros e o Itaimbézinho". Porto Alegre, FUMPROARTE. 2000
A COLA III. fernando fuão

É a cola que faz os corpos e as figuras dialogarem, ‘colegarem’. É uma espécie de pré-dicionário que possibilita passar de uma linguagem a outra, de uma cultura a outra, de uma visão a outra. Sua função, antes de tudo, é ‘transportar’, reduzir a distância, abolir o tempo da narrativa clássica, atalhar.
Em realidade, é como uma ponte.
Uma ponte que tem por finalidade conectar fragmentos de mundos, realidades distintas ou similares e, em geral, se configura como uma ‘solução’ ao problema do transporte sobre o abismo do recorte. É ela que permite a comunicação entre os povos, as línguas, e as culturas separadas pelas gargantas dos abismos geográficos.
Ponte é qualquer elemento que estabeleça ligação, contato, comunicação ou trânsito entre pessoas e coisas. As pontes, provavelmente, foram inspiradas na natureza tanto por uma árvore caída sobre um abismo, ou até mesmo as aranhas teriam inspirado a construção de pontes com sua pratica de confeccionar teias.
Entretanto, o aspecto utilitário das pontes, muitas vezes, dificulta sua consideração sob o ponto de vista simbólico. Sua funcionalidade freqüentemente oculta o profundo significado que a converte em símbolo.
A idéia de ponte está intimamente ligada à idéia de quem a faz, constrói, levanta. Antigamente, quem construía pontes era o pontifex, palavra que não quer dizer outra coisa senão ‘construtor de pontes’. É claro que esse termo associa-se diretamente à figura dos Papas e todo sentido eclesiástico que carrega junto. Daí por que o verbo colar, também pode referir-se ao ato de colação, nomear para um benefício eclesiástico vitalício, colação de grau. Colar é consagrar, dar por terminado uma etapa, uma tarefa.
Em todo caso, a palavra Papa não deve ser considerada somente pelo ponto de vista institucional católico. Podemos também lhe atribuir o mesmo sentido que se dá a um mago, a um xamã. A pessoa que serve de vínculo, de comunicação entre o céu e a terra. Aquele que opera com determinados símbolos para tal.
A palavra ‘cola’ carrega, em todos os seus derivados, um sentido de elemento que aglutina, reúne, o que foi disperso. Todo aquele que faz collage tem um pouco de Papa (e também de pastor). Afinal, uma de suas funções é reunir, manter coeso o rebanho.
René Guenon em seu célebre livro Símbolos Fundamentais da Ciência Sagrada explica que a mesma palavra, que em sânscrito designa ponte (setu significa ligação), pode referir-se ao vínculo que estabelece uma ponte sobre as margens de um rio. As margens representam simbolicamente os distintos estados dos seres. Uma ponte equivale exatamente ao pilar axial que une o céu e a terra, ao mesmo tempo em que os mantém separados.
Podemos ainda, levar o conceito da cola, de ponte, para outros elementos de ligação como escadas, elevadores, viadutos, arcos, arco-íris, passagens, pontes aéreas, pontes safenas, túneis, trampolins, cabos e fios de comunicações, antenas, etc.