LEMBRANÇAS DE COLLAGE
Uma tesoura e umas revistas velhas para brincarmos era tudo o que queríamos para nos entreter. Mediante
recortes, destacávamos os personagens suspensos no tempo. Nossas inábeis mãos
aos recortá-los, ao pegá-los, ao movê-los de um lado a outro, faziam com que as
figuras se tornassem vivas, seres animados pelo alento do recorte. Naqueles
dias chuvosos, desafirmávamos constantemente nossas personalidades, na medida
em que íamos ao mesmo tempo recortando e recordando nossos desejos. Escolhíamos
os personagens com quem mais nos identificávamos, e nunca faltavam as brigas e
escaramuças por eles. Mimávamo-os com nosso gesto, nos projetávamos, projetávamos
nossa família, nossos amigos e inimigos em cada uma daquelas patéticas e
aplastadas figuras. Deixávamos que o desejo atuasse livremente. Vivíamos tudo
aquilo de que carecíamos, o que queríamos ser e ter. Habitando as figuras, as
encarnávamos em seu sentido original. Ignorava-se o valor das revistas. Cada
figura reduzia-se a uma projeção. Cada figura era um corpo que andava contente
ao encontro do outro. As fazíamos habitáveis.
fernando fuão
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