Viagem - olhar estrangeiro
Marcia e Mauricio Planel, atados pelo fio da collage,
viajam, andam juntos construindo lugares inusitados. Trabalham sobre
destroçado, fragmentado, desatado, cheio de cacos; re-ligam tudo por onde seus
olhos passam. Para os que fazem collage,
o amor é o fio (o philo); a corda que ata as figuras, as coisas, os seres, as
fronteiras do tempo, do espaço e da existência. A corda é o que aciona o
movimento, a (an)dança das figura nas caixas de música, ou sobre a folha de
papel. A collage (e)motion.
Cada um a seu modo, tem um estilo inconfundível, a palavra
estilo refere-se ao estilete, aquilo que inscreve em profundidade, na
profundidade do sentido e do significado. Ato sensível, delicado, preciso e
inconfundível, seus trabalhos circulam entre os rasgo manuais e corte digitais,
mas tudo trabalho da mão, do toque e do ‘com-tato’. Fato esse que se relaciona
ao carinho e cuidado que tratam as figuras e imagens.
Esse é corte que libera as figuras errantes para os
encontros assim as figuras vão se juntando, se casando; o resultado são estranhos
seres objetos e paisagens surreais. No
trabalho de Marcia tudo se transfigura em outra coisa, nada é o que é, tudo
está no lugar de outro, substituindo, tudo se junta numa coisa só; nos
trabalhos do Mauricio tudo concorre para a narrativa, num constante reenvio de
uma figuras para outra, em relações de associações, construindo contextos
fictícios onde o humano sempre assume o primeiro plano. Mauricio faz collage
para ilustrações editoriais para diversas revistas, narra através de insólitas
imagens os conteúdos das matérias.
Há um sentido de verticalidade na forma em que Marcia
constrói suas collages, se sobrepõem como um edifício formando um corpo único,
centralizado dentro do quadro, em Mauricio: um predomínio da construção das
relações a partir das figuras humanas, numa estrutura clássica da imagem, a
figura humana em primeiro plano. Nessa seleção e collages do Mauricio nos
propicia uma revisão da cultura dos anos 50-60, da tecnologia e sua cultura
Pop, e sobretudo das relações de poder e totalitarismo. Ali estão temas como:
som-música, florais, motores e potencias, orbitas e luas, hastes-remos,
pernas-amputações. Temas esses que de alguma forma funcionam como metalinguagem
das caixa; alguns deles relacionado ao movimento, a viagem.
Os processos de construção das collages dos dois são muito
próximos, mas há variações. As collages de Marcia começam como colagens feitas
com a mão e coração (handmade collage), uma figura se junta a outra para dar a
partida, essa é a base e o início de tudo o que se segue. Como ela mesma diz:
“uma espécie de relação fechadura-chave”, uma relação de hospitalidade entre as
figuras; a fechadura é a figura receptáculo e corresponde exatamente a figura
da espera, a figura do hospedeiro na collage, a figura de base que recebe as outras.
A fechadura é por onde posso olhar para o outro lado mas ainda não posso abrir
a porta porque ainda falta a chave, o hospede exato, a figura do errante para
abrir.
A "chave" é parte digital que Marcia acrescenta,
posteriormente, à parte feita a mão, à espera: a fechadura, que dá início a
abertura, questão essencial ao acolhimento na collage.
Todas as construções entre, e com, figuras se dão a partir
dessa relação, que na maioria das vezes é transfiguradora de sentido, mais
iluminadora. A transfiguração é uma característica bem clara, para ambos
artistas, desde o início de seus trabalhos.
As caixas de musica da Marcia são um universo a parte, são
camadas de imagens que se colocam como um labirinto, ao ser acionada a corda
pelo visitante. A corda acorda as figuras para a dança, a (an)dança circular e
orbital, faz o olhar caminhar pelo labirinto das imagens dispostas atrás. Tudo
se junta e se disjunta num jogo caleidoscópico. O coração da caixa de música é
o motorzinho exposto, a corda; o cilindro e suas hastes ‘comcordam’ e discordam
tudo, aciona a relação do encontros e a circulação, o cíclico das imagens, tudo
gira em torno de si mesmo como ‘sufis’.
Fernando Fuão. Abril 2015
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