A Cola e o fio
Fernando Freitas fuão
A cola não é privilegio da collage. Tudo está
colado e sempre esteve colado. O mundo é colado, e só existe por que é colado.
O homem moderno, o civilizado com seus pensamentos separou o mundo distanciando
e isolando as coisas uma das outras. Ele vê o mundo assim porque é o mundo que
ele próprio dividiu e nele existe e insiste.
O mundo ‘tá ligado’ por um fio invisível que
ata todas as coisas. O fio do mundo cola todas as coisas. O fio sóphico, o philo sóphico: é o fio que tudo liga e cola.
O philo é a philia, o polemos, sinônimos
também de amizade e amor. O amor é o fio
que ata as coisas, os seres, as fronteiras do tempo, do espaço e da existência.
O amor é a cola universal, como apresentei em A collage como trajetória amorosa.[2]
Collage só pode existir num mundo
fragmentado, num mundo que foi destroçado, desatado, desalinhado, cheio de
cacos, troços dispostos a serem colados, ‘re-ligados’.
Collage é gesto de colação em mundo
destroçado. A pobreza é o primeiro, e último estado do ser,
também o estado último da falta de amor. A solidão, o isolamento, o abandono, o
egoísmo, o individualismo, os corpos fragmentos, os cacos, as sobras, tudo que
é atirado fora, infelizmente é disso que se alimenta, fundamentalmente, a
collage e a sociedade atual.
Quem faz collage não consegue se contentar
com pedaços de mundo que lhe rodeia; ‘re-colar’ esses fragmentos para construir
um mundo novo é uma tentativa de reconstruir um mundo que ele próprio
destroçou. Dessa visão, a collage, enquanto arte, é uma autentica afirmação de
re-ligação.
Na torrente do individualismo, aparece as vezes que a única coisa em
comum são as bordas de cada tempo, de cada matéria, de cada fragmento, de cada
corpo, de cada um, de cada instante, as sobreposições e significados comuns, os
significados distantes, as essências desvanecestes que ao se colarem, geram um
‘comum incomum’. As bordas do tempo.[3]
O amor é o que cola as singularidades. A cola do
impossível, mas o amor continua como a força indefinível. A cola não é um privilégio
da collage, assim como o amor também não é, mas ao se utilizar dele para fazer
arte, torna-se um das mais belas metáforas da criação humana.
O desafio da
collage
Na cola cofio.
Na cola ‘des com fio’.
Collage é a arte da ‘com-fiança’, ‘des-comfiança’.
“O fio invisível que tudo une, do qual somos
‘nós’, é tido como algo não real e não desejado pelo desconfiado ego moderno”.
RUFINO BECKER
“O sem fio é o contrário do ‘com fio’, o ‘des
com_fiar’ é perder a ligação”. RUFINO BECKER
Collage é entrelaçamento básico da vida
através de imagens afeto, arabesco de imagens, caleidoscópio que ajuda enquanto
símbolo a se re-conectar com o universal. Podemos perceber isso, por exemplo,
nas oferendas do culto a Pachamama ou na Umbanda.
Cola, fio, a corda, a ponte são aspectos de
uma mesma ideia, de uma mesma senda, vestígios que sempre acabam por
conectar-se ao fim com o Uno, e nessa fiação, nessa trama do mundo a ‘colafio’ pode-se
apresentar sobre a forma de mosaico, caleidoscópio, constelação, tecido, patchwork
entre outras oferendas. O desfiladeiro é o sulco, o corte, a fissura.
As bordas dos fragmentos, das figuras ao se
conectarem formam o caminho, o fio que serpenteia o mundo. É a união do um com
outro que cria o encontro, o fio, a cola. Curioso paradoxo pois é justo nessa
separação magica intencional da arte do caminho enquanto sulco, corte, que se
pode dar a união, a comunicação, o caminho ascendente. O fio que corta é o mesmo fio que cola.
Infelizmente tanto o mosaico ou a collage
muitas vezes não nos dão esse sentido ascendente porque estão no plano
material-horizontal das imagens, e a assim acabamos por ver a cola só como algo
que grudamos ou colamos um fragmento a outro, ou do fio como simples costura ou
‘atação’.
O grude amoroso é atração.
Independentemente de ser consciente ou não desse
ato, o inconsciente está constantemente operando esse trabalho de reunião das
coisas na nossa cabeça, a arte da collage ou a arte amarrar com os fios, ou dos
fotogramas, o efeito que eles produzem no ser humano é de conexão, centramento,
união; talvez por isso a collage aparece como uma das formas mas reveladoras do
inconsciente desde seu surgimento, e como potente forma de arte-terapia.
A collage é uma arte adesiva, de adesão, de
agrupamentos, de amigos, de comunidades, a arte da amizade e acolhimento; a
arte de muito olhares.
“A experiência do entrelaçar é a pã.ciência,
a ciência de Pã, o sentido do tempo, o tocar” RUFINO BECKER
Nessa arte de la ‘mano’ do humano está a
experiência do tato, do ‘COM TATO’, a máxima da collage. Na paciência da
collage, do mosaico, da renda; o trabalho da mão.
A arte do toque, do tocante, do toucher
O toucher
da mão, do olho e da alma.
A cola carrega toda uma constelação
das diferenças, mas carrega unindo e conservando as diferenças enquanto
diferenças, abrindo-se e fechando-se.
O significado da cola é o mesmo que
encontramos em outros elementos de comunicação e união, como a ponte, o viaduto, o elevador ou mesmo de um teleférico; é o mesmo também que encontramos no símbolo, como veremos na sequência.
A cola é a metáfora (metapherein) de algo indefinível, veículo que permite o deslocamento, o transporte, trazendo o distanciado para a proximidade, tal qual um teleférico, o mesmo têle(pherein) que em grego significa 'trazer ou levar o distante'[4]. O fio, é a própria viscosidade da collage, a metáfora materializada no fiapo. É ele que permite finalmente colar-se ao outro, fiar-se com o outro. Estabelecer a Filiação.
Como se sabe a palavra ‘cola’ em espanhol , traduz-se por ‘pegamento’, e em nada se relaciona
com a cola em português, entretanto a
palavra ‘cola’ em espanhol refere-se
a ‘fila’, a fila de pessoas, a cola como uma serpente, e aí então é reveladora,
porque essa fila (phila) é a mesma do
fio, e da philia (amor); enfileirados
em sua origem, não deve ter relação alguma com a disciplina que se manifesta no
‘alineamento’, mas os enfileirados que pertencem
à mesma categoria de fileira amorosa, do ser-penteio, da fileira da filiação e
da coluna; ainda que em planos distintos.
A cola
A cola é o elemento que simboliza o trabalho
da collage. A própria atividade de coller.
A palavra cola provém do grego kólla e
do latim colla. Define-se como: substância ou preparado glutinoso para
fazer aderir papel, madeira e outros materiais; goma: cola de peixe; cola de
amido. Dela se associam palavras, tais como: colaborar, coligir (reunir o que
está esparso, disperso). Assim como, o sufixo, ou elemento compositivo (cola,
do latim colere), designa o que cultiva, o que habita (aquícola,
vinícola). Ela também comporta ainda o sentido de cauda, encalço, rastro e
vestígio.
Mas, quando se passa da palavra ao verbo, da
cola ao colar, suas contas se estendem.
Colar: unir, pegar, grudar, juntar, copiar
clandestinamente em exames, ligar, ajustar, amoldar-se.
Colar: ornato ou insígnia para o pescoço.
Entretanto seria mais interessante remeter a origem da palavra collage não a
cola, mas sim ao sentido de collegare, colligare que em latim
significa colegas, aqueles que andam juntos, aquelas figuras que andam juntas.
De certa forma o significado da cola
aproxima-se também ao conceito de símbolo. Simbolum: unir, congregar,
conectar o acima-abaixo, ligar todas as coisas, A linguagem simbólica permite a
circulação de um nível a outro, integrando todos estes níveis, mas sem
fundi-los.
Entretanto, o fundamento da collage não
reside na cola. O colar, grudar não constitui a etapa mais significativa do
procedimento. Inclusive podemos afirmar sem receio que: existe collage sem
cola. A célebre frase de Max Ernst define bem o pegajoso da questão: “Se as
plumas fazem a plumagem, a cola não faz a collage.” [5]
Certamente, não é a cola, o grude, a reunião
de coisas coladas que faz a collage, e, sim, o encontro das figuras que
desfilam, esperam e buscam abrigo nas demais. O acolhimento, o ‘Encontro’ das
imagens é o momento de produção da cola, da ligação. Por exemplo, nas
fotomontagens realizadas em laboratórios, não existe realmente o uso da cola.
Há somente, a sobreimpressão de duas ou mais imagens que se justapõem e/ou se
fundem uma na outra. O que fixa, realmente, são os fixadores. Cola que não
cola, precipita-se.
Em síntese, é no encontro entre as figuras
recortadas que se elabora o grude.
A função da cola é mesmo conectar: unir.
Permitir a passagem de objetos, seres de um lugar para outro.
Transitar. Transportar. É uma espécie de
pré-dicionário que possibilita passar de uma linguagem a outra, de uma cultura
a outra, de um sentido à outro. Sua função, antes de tudo, é ‘transportar’,
reduzir a distância, abolir o tempo da narrativa clássica. Atalhar. Abrir dar
passagem, e aí a figura porta se transforma também em cola.
Em realidade, é como uma ponte.
A ponte similarmente a cola tem por
finalidade conectar fragmentos de mundos, realidades distintas ou similares e,
em geral, se configura como uma ‘solução’ ao problema do transporte sobre o
abismo do recorte. É ela que permite a comunicação entre os povos, as línguas,
e as culturas separadas pelas gargantas dos abismos geográficos. Ponte é
qualquer elemento que estabelece a ligação, contato, comunicação ou trânsito
entre pessoas e coisas.
Entretanto, o aspecto utilitário das pontes,
muitas vezes, dificulta sua consideração sob o ponto de vista simbólico. Sua
funcionalidade oculta o profundo significado que a converte em símbolo. A ideia
de ponte está intimamente ligada à ideia de quem a faz, constrói, levanta.
Antigamente, quem construía pontes era o pontifex, palavra que não quer
dizer outra coisa senão ‘construtor de pontes’. É claro que esse termo
associa-se diretamente à figura dos Papas e todo sentido eclesiástico que
carrega junto. Daí por que o verbo colar, também pode referir-se ao ato de colação,
nomear para um benefício eclesiástico vitalício, colação de grau. Colar é
consagrar, ‘consangrar’, dar por terminado uma etapa, uma tarefa. Finalizar.
Em todo caso, a palavra Papa podemos também
lhe atribuir o mesmo sentido que se dá a um mago, a um xamã. A pessoa que serve
de vínculo, de comunicação entre o céu e a terra. Aquele que opera com
determinados símbolos para tal. A palavra ‘cola’ carrega, em todos os seus
derivados, um sentido de elemento que aglutina, reúne, o que foi disperso,
esfacelado. Todo aquele que faz collage tem um pouco de pastor. Afinal, uma de suas funções é reunir, manter
coeso o rebanho das figuras, das imagens. Essa ritualística também se expressa
com grande dramaticidade em alguns rituais de cura através da ‘simpatia’ nas benzedeiras,
enquanto ela costura, alinhava, um pedaço de pano qualquer ela pronuncia
palavras e orações com objetivo da cura.
René Guenon em seu célebre livro Símbolos
Fundamentais da Ciência Sagrada[6]
explica que a mesma palavra, que em sânscrito designa ponte (setu
significa ligação), pode referir-se ao vínculo que estabelece uma ponte sobre
as margens de um rio. As margens representam simbolicamente os distintos
estados dos seres. Uma ponte equivale exatamente ao pilar axial que une o céu e
a terra, ao mesmo tempo em que os mantém separados, assim como as arvores. Na
concepção de Heidegger o homem é uma ponte entre o céu e a terra, entre o acima
e o abaixo, ele está sempre no entre e no ‘sendo’ (being).
Podemos ainda, levar o conceito da cola, de ponte,
para outros elementos de ligação como escadas, elevadores, viadutos, arcos,
arco-íris, passagens, pontes aéreas, pontes safenas, túneis, trampolins,
trapézios, cabos e fios de comunicações, antenas, arvores, cordas, parafusos,
grampos, clips, anel, cola, cocar, para tudo o que junta e rejunta.
Com a cola estamos frente a um símbolo
expresso materialmente por seu estado pegajoso horizontal (como a ponte), mas
com um sentido plenamente vertical, como o axis
mundi.
Na ponte tudo se dá no 'entre', no entre
espaço que comunica. No entre papeis. A ponte por natureza é o espaço da
indefinição, não pertence nem a um lado nem a outro, nem acima nem abaixo. Ela é intermediária, intermediação, quase uma
terra de ninguém, um entre espaço, um ‘espaciamento’, um estando(being), uma estância.
As colas, as pontes possuem o atributo da
universalidade, são ‘universalizantes’, reagrupam fragmentos, superam os
abismos, as divergências, configurados pelo corte. A ponte, por suas
características simbólicas, é também o lugar preferido do sacrifício e do
suicídio. Jogar-se de uma ponte, significa o último estado, onde o ser abandona
o sentido horizontal da travessia, lançando-se no sentido vertical da queda.
A cola é deslocamento, um movimento, um gesto
que termina na elaboração, na condensação, no grude amoroso. No mesmo líquido
pegajoso fabricado pelas aranhas que o transformam num fio, numa ponte. A ideia
de quem faz colagens é criar pontes invisíveis, pontes de significados. A
finalidade da collage é um pouco unir o sonho à realidade. O sentido e o não
sentido.
Afora a divagação mental e esotérica que esse
símbolo proporciona, podemos dizer que existe também um sentido negativo na
cola. O grude representa também a ligação que se estabelece entre duas pessoas,
duas figuras. Grudar-se, muitas vezes, é parasitar-se, viver às custas de outra
figura, suprimir seu significado: parasitar.
O grude amoroso é a aderência de uma figura
em outra.
A perda de significado de cada um.
Muitos dos que fazem collage costumam vacilar
na hora de colar. O medo da proximidade e o contato é o que caracteriza todo o
temor inicial de colar, de gozar a conjugação do imaginário realizado pelas
figuras.
Quem se aproxima da collage estará sempre
exposto, simultaneamente, ao vento gelado da tesoura e ao calor ambivalente e
pegajoso da cola líquida. A collage é uma arte adesiva, de adesão, de
agrupamentos, de amigos, de comunidades, a arte da amizade e acolhimento; a
arte de muito olhares.
Do mesmo modo que se elaboram os sonhos, a
collage não toma seus elementos dos grandes e importantes acontecimentos, mas
em geral, dos detalhes secundários, dos resíduos, dos fragmentos do passado
imediato ou longínquo. Na maioria das vezes, necessita ser decifrada pelo
artifício da linguagem, por pistas, índex, símbolos tal qual num trabalho de
psicanálise ou de investigação de um detetive, arqueólogo ou historiador.
Em seu sentido material, a cola é apenas um
procedimento que tem a finalidade de fixar uma superfície na outra, um objeto
no outro. Sua técnica é fácil. Os elementos já trabalhados, recortados, devem
ser colados sobre o suporte, seguindo uma ordem lógica: primeiro, colando as
figuras que estão debaixo de todas as demais; e depois, as que estão por cima
das já coladas e debaixo das que serão coladas. E quanto menos cola melhor,
pois assim deixa as figuras trabalharem com mais liberdade, independentes umas
das outras.
A cola esconde a superfície, ao mesmo tempo
em que se esconde por detrás das figuras. Quase nunca é visível, seu espaço
tópico é o da superfície oculta da figura. O lado escuro. É o artifício, a
‘artemanha’, que disfarça as incongruências entre as figuras, entre as
diversidades dos papéis aos olhos. É sobreimpressão.
Sua
qualidade é ser íntegra, ser pura, sem ser em realidade, porque o mundo já está
previamente colado. E quem sabe, seja por essa aparente contradição que ela
também aparafusa, atormenta.
A
palavra cola é empregada também em outro sentido negativo. Por exemplo, na
língua portuguesa, ela pode denotar “cópia”. Colar não só no sentido “escolar”,
mas também no sentido de “reproduzir algo ilegalmente”. E ainda denotar o
sentido de grude, quando queremos nos referir a uma pessoa grudenta, parasita.
A cola reagrupa fragmentos configurados pelo
poder das pernas das tesouras, pelo fio da tesoura. Ela possui a propriedade de
criar a ilusão de integridade, homogeneidade da pele, do papel, ao manipular as
feridas abertas pelo corte. Desta forma, aproxima-se ao próprio conceito de
‘costura’.
Confecciona, alinhava, cerzi, sutura:
coagula.
Não cura nem salva, só cerra a boca dos
abismos.
Une o rasgado, o recortado, finge salvação e
sanidade, sem ser. Ela conecta tecidos de papel separados, transplanta
fragmentos, enxerta uma parte na outra, um corpo no outro. A enxertia.
A essas alturas, já não parecia estranho que
as aspas de uma citação literária se assemelhassem a quatro pontos cirúrgicos,
mostrando a costura de um texto no outro, ou ao próprio princípio de enxerto. A
inclusão de parte de um corpo no interior de outro.
Todo ato de colar é a antítese do recorte, é
sempre um re-velar, voltar a velar, tapar, ocultar a superfície original. Se o
recorte des-vela, a cola e a reprodução tornam a re-velar.
A cola engana o olho. Asfixia a visão.
Confirma o princípio da representação, da arte como fingimento, ‘artemanha’,
engano, aparência. Em essência, é um truque. Uma sujeira que pretende que a
coisa depois de colada seja inteira, quando em realidade não o é. Ela é uma
invenção, um ‘artefício’. Aliás, um curioso artifício, porque a coisa depois de
grudada está realmente ligada. É este ‘artefício’, essa operação mesma que
permite a comunicação ascendente.
O
projeto de recolar todas as coisas, juntar as contas e corpos, é
verdadeiramente louco e sem sentido, tal como a collage em si. Um rosário de
insanidades.
A cola e o ‘acollimento’
O acolhimento,
em sua etimologia deriva de 'colher', esse colli-gere latino tem relação justamente com a origem da religião, e Heidegger empregou esse mesmo colli como ligação, ponte para explicar o dasei, em 'habitar, construir e pensar'.
Acolhimento é ação da colher, da cola, do ‘colar’ e da collage. Mas não só: esse 'colher' designa também uma ura, um cultivo, uma cultura, um trato; refere-se portanto à colheita e a colaboração. Colher, morfologicamente, vem de coler, da concavidade, da dobra, da dobra do corpo que se dobra e se desdobra continuamente para acolher o outro. O recipiente semiaberto, tal qual a colher de
sopa mesmo, ou de um vaso.
Assim a palavra collage tem suas origens nesse colli; também deriva do verbo francês coller, que significa literalmente ‘colar’; e colle que significa cola, mas esta definição em nada nos ajuda, ou dá pistas ao amplo âmbito que a collage compreende. Talvez em seu sentido mais antigo, na palavra colegare, ir juntos, colegas, que podemos nos aproximar melhor a essência da collage e do colli.
A collage aparece aqui como expressão metafórica de uma ética da alteridade, e tenho
procurado mostrar que essa ética da alteridade tem fortes implicações com seu modo de produção: sua (pó)ética. Ou seja: a collage mostra-se como arte de acolher (colli) diferenças conservando-as enquanto diferenças, colando-as, mas lançando-as para um sentido além do previsto originalmente para as figuras. A collage é a
arte do acolhimento.
E, basta uma linha para costurar o mundo.
O acolhimento é sempre uma abertura, que abre
ao ser que foi rasgado a possibilidade de novas conjunções. Toda abertura
carrega em si o movimento a ação do acolhimento. Assim de entrada todo recorte,
todo ato de recortar também carrega a cola, o ato de colar. Parece não haver
possibilidade de acolhimento sem a existência prévia de uma abertura, a
abertura do um para outro, de um corte, de uma fissura para que esse encontro
ocorra. O que qualifica a collage é aproximação do distanciado colando o
separado. Aonde há separação, haverá trabalho de reunião.
Todos os cacos, todas as estrelas, todos os
colaboradores trazem em si o amor, o grude amoroso, o desejo de ser um no outro,
ou de ser outro mesmo, sem, entretanto, nunca poderem ser.
* * *
[1]
Http://mundocollage.blogspot.com
[2] Fuão, Fernando. A
collage como trajetória amorosa.
UFRGS. Porto Alegre. 2011
[3] Fuão, Fernando. As
bordas do tempo, a collage em Antonio Negri. Em http://fernandofuao.blogspot.com; veja-se também em http://www.revistaagulha.nom.br/ag64negri.htm
[5] ERNST, Max. Escrituras. Barcelona: Ed.
Poligrafa, 1982, p.200.
[6] GUENON,
René. Símbolos
Fundamentais da Ciência Sagrada. Buenos Aires: Editora Universitária, 1969.
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